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 | 01/06/2008 03h48min

Atletas que já estiveram em Pequim atuarão como guias turísticos

Turma da delegação brasileira ajudará os colegas com as diferenças culturais

Priscila Montandon  |  priscila.montandon@zerohora.com.br

Uma turma da delegação brasileira vai acumular funções na Olimpíada de Pequim. Além de esportistas, gente como a velejadora gaúcha Fernanda Oliveira, 27 anos, e o nadador paulista Nicholas Santos, 28, atuará como guia turístico para os colegas em agosto. O duplo emprego será requisitado: do outro lado do mundo, os atletas do Brasil encontrarão um país onde costumes e principalmente a culinária quase ultrapassam a linha tênue entre a tolerância ao que é diferença cultural e a intolerância ao que fere o comportamento ocidental.

Escorpião e cobra no espeto? Se por estas bandas do oceano tais iguarias gerariam náuseas, entre os chineses elas são apenas alguns dos acepipes comumente vendidos em barraquinhas pelas ruas. As vias públicas, aliás, podem se transformar em mesa: há quem se ponha de cócoras para consumir suas tigelas de macarrão no chão. Dizem até que alguns petiscos são afrodisíacos, fazem bem para evitar essa ou aquela doença.

- Não tive coragem de experimentar nenhum. Nem pensar, acho que passaria mal - lembra Nicholas Santos, que esteve em Pequim para o evento-teste da modalidade em fevereiro passado. - Quando visitei a Muralha da China, vi umas comidas que não sabia nem o que eram.

Para não se arriscar, Nicholas foi preparado à China: levou 15 latinhas de atum e pedia apenas arroz branco nas refeições. Para a época dos Jogos, muitos atletas esperam que a comida não seja tão chinesa - leia-se, apimentada. Durante um evento-teste na marina de Qingdao, sede das competições de vela, Fernanda Oliveira, Rodrigo Duarte e André Fonseca (todos do Jangadeiros, de Porto Alegre) testemunharam indisposições estomacais por conta do cardápio.

- Acho que há ingredientes com os quais nosso organismo não está acostumado. Daí, passamos mal mesmo - comenta André, o Bochecha, da classe 49er.

Nadador elogia Cubo d'Água: "O piso tem aquecimento"

Mas nem só esquisitices comestíveis chamam atenção dos turistas na China. Um costume local unânime entre as curiosidades apontadas pelos atletas brasileiros é o famoso "cuspe em qualquer lugar".

- Eles cospem mesmo. Tem cuspidor no hotel, no shopping... - recorda Fernanda.

Este é, inclusive, um hábito que as autoridades de Pequim estão tentando erradicar, ou pelo menos amenizar, entre seus cidadãos, prevendo até multas. Enquanto isso, Nicholas comemora:

- Pelo menos não pisei em nenhum.

E já que estamos falando de práticas higiênicas, na China é comum ver fossas no banheiro no lugar de vasos sanitários.

- No Cubo dÁgua (local das provas de natação, saltos ornamentais, pólo aquático e nado sincronizado) tem duas fossas e dois vasos. É para fazer de cócoras - explica o nadador.

Mas ninguém ganha medalha por fazer xixi na Olimpíada (aliás, pode até perder se for flagrado no antidoping). A principal atração são mesmo as instalações esportivas. E, nisso, a China não economizou. Para construir o Estádio Olímpico, conhecido como Ninho de Pássaro, sede das cerimônias de abertura e encerramento dos Jogos, foram gastos cerca de US$ 500 milhões. O Centro Aquático, chamado de Cubo dÁgua devido a sua aparência externa (lembra bolhas agrupadas), consumiu cerca de US$ 150 milhões.

- É uma das melhores piscinas em que já nadei - elogia Nicholas, que brigará por medalha nos 50m livre. - As raias são largas, e o piso tem aquecimento.

Saiu da água, é peixe

Num supermercado em Qingdao, a velejadora gaúcha Fernanda Oliveira até tentou comprar alguma iguaria, mas não teve apetite suficiente para os peixes desidratados. Na sede das competições de vela, eles comem tudo o que vem da água, de ouriço-do-mar a mãe-dágua no espeto. Dizem que, lá, você pode comer tudo o que tem quatro pernas e não é mesa, o que nada e não é submarino, e o que voa mas não é avião.

Mandarim

Na China, Fernanda e os colegas de modalidade André Fonseca, o Bochecha, e Rodrigo Duarte, o Leiteiro, aprenderam a pronunciar "oi" e "obrigado" em mandarim. Palavras, claro, insuficientes para indicar qualquer necessidade fisiológica, como fome ou sede.

- Daí a gente faz mímica. Para tudo. No táxi, tem que dar o cartão do hotel. Não adianta pedir para eles falarem em inglês, a gente não entende - conta Fernanda, que até tentou comprar um noodles (macarrão instantâneo, tipo miojo), mas preferiu não arriscar porque não entendia o que dizia o rótulo.

Céu cinza

Talvez seja o maior ponto negativo da China. O governo criou um plano para reduzir a poluição até a Olimpíada, firmando acordo com fábricas na capital e em províncias vizinhas. Tudo por um céu mais limpo durante os Jogos.

— Todos os dias em que estivemos lá o céu é cinza. Um único dia ficou claro - lembra Fernanda.

Vela sem vento

Nas dois eventos-teste em Qingdao a época escolhida foi a mesma em que será a Olimpíada: agosto. E, em ambas as vezes, os competidores reclamaram da mesma coisa: a falta de vento.

Calcula-se que o vento soprará em agosto a uma velocidade de cinco nós por segundo - suficiente para navegar, mas muito longe dos sete ou oito considerados ideais.

Fora isso, o catarinense André Fonseca, o Bochecha, faz uma comparação:

— A marina de Qingdao é parecidíssima com a de Atenas, em 2004. Certamente eles se inspiraram. Só a cor da água não é a mesma né?

Preocupado com a poluição, o governo da China prometeu que as águas da costa de Qingdao estarão limpas até lá.

Superstição

Não foi à toa que os chineses marcaram a abertura dos Jogos para o dia 8 de agosto de 2008 (8/8/08), às 8h08min da noite: oito é o número da sorte dos orientais. Falando em superstição, os chineses levam isso tão a sério que na maioria dos prédios do país não existem andares terminados em quatro. O ideograma tem pronúncia muito parecida com a do caractere de morte.

Raposa no pescoço

Sabe aquele cachecol de raposa típico de dondocas de desenho animado? Pois foi o que Nicholas Santos viu durante seu passeio em Pequim:

— Achei que aquilo não existisse. Eles vendem de tudo por lá!

Cidades mutantes

O trânsito caótico e a velocidade da construção civil na China são características bastante apontadas pelos atletas. A gaúcha Carol Albuquerque, da seleção brasileira de vôlei, já esteve em Hong Kong e Macau e se espantou com a quantidade de bicicletas nas ruas. Também notou como as cidades estão diferentes a cada vez que vai lá (geralmente duas vezes por ano, para o Grand Prix de vôlei).

— Sempre tem um prédio, um cassino novo quando voltamos - conta Carol, que viu só de dentro do ônibus os famosos gafanhotos no espeto. - Dizem que é afrodisíaco, mas ninguém quis pagar para ver.

A também gaúcha Maurine, lateral-esquerda da seleção feminina de futebol, faz coro:

— Pequim é agitadadíssima! O povo não pára um minuto e tem muita bicicleta na rua.

Maurine esteve na capital chinesa para a disputa contra Gana no Pré-Olímpico, em abril.

Arquivo Pessoal / 

Nicholas Santos na Muralha da China, com letreiro da Olimpíada de Pequim ao fundo: nadador paulista é um dos atletas brasileiros já familiarizados com costumes que podem espantar olhos ocidentais
Foto:  Arquivo Pessoal


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