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 | 14/02/2008 03h57min

Área é vendida irregularmente em Caxias do Sul

Dizendo-se presidente de uma cooperativa habitacional, homem comercializa terrenos prometendo loteamento que não tem aprovação da prefeitura

Graziela Andreatta e Guilherme A.Z. Pulita  |  graziella.andreatta@jornalpioneiro.com.br; guilherme.pulita@jornalpioneiro.com.br

Em uma sala quase escondida, nos fundos de um terreno ao lado de um posto de gasolina, na Avenida Alexandre Rizzo, no bairro Desvio Rizzo, Luiz Antônio do Virgen instalou o escritório do que ele chama de cooperativa habitacional. Lá, com ajuda da mulher, do filho e de uma conversa sedutora, ele vende terrenos de um loteamento que não existe.

Luiz do Virgen promete frações urbanizadas, com água, esgoto, luz e até mesmo linhas de ônibus em troca de R$ 10,5 mil, financiados em três anos, sem juros. E ele também não exige comprovação de renda ou fiador, o que torna o negócio fácil e tentador para quem persegue o sonho da casa própria.

Uma equipe do Pioneiro, em parceria com a RBS TV, se passou por interessada em adquirir parte da área e comprovou o negócio ilícito. Os primeiros contatos com a suposta cooperativa foram via telefone, na semana passada. Assim, a reportagem soube de detalhes da oferta de imóveis por meio da companheira de Virgen.

A mulher, que se apresentou como Sandra, explicou os pormenores sobre o loteamento e aconselhou comparecer na sede da cooperativa para obter mais informações e conhecer a área. Na mesma semana, a equipe de jornalismo foi até o escritório de Virgen e simulou interesse em comprar um de seus terrenos. Os argumentos do negociante pareceram convincentes.

As terras oferecidas ficam atrás da sede recreativa da Fundação Marcopolo, na localidade de São Giácomo. O vendedor tem uma suposta escritura, que apresenta como sendo daquela área. Mas é difícil confirmar a veracidade do documento porque a aquisição fica em área rural e para checar a localização exata da propriedade seria necessária a presença de um topógrafo oficial que fizesse as medições e um mapa de localização, conforme orientação da Secretaria Municipal de Habitação.

Aos interessados, Virgen exibe a planta de um loteamento, afixada na parede do escritório, que ele teria feito anteriormente e estaria já todo comercializado. Segundo o negociante, ela serve de modelo para o projeto do novo espaço urbanizado que está sendo comercializado.

Projetos estariam sendo encaminhados na prefeitura

Para convencer a reportagem a comprar um terreno no loteamento novo, ele disse que dos 200 lotes disponíveis restavam apenas 60. Em vários momentos, assegurou que o empreendimento teria um engenheiro responsável e um biólogo, sem citar seus nomes, que estariam encaminhando todos os projetos na prefeitura. Fez questão de mostrar todos os gastos que está tendo com os futuros terrenos e deu o cartão de uma advogada, que cuidaria dos contratos assinados com os compradores.

Virgen disse ainda que o dinheiro não ficaria com ele, mas iria para uma conta bancária da cooperativa na Caixa, na tentativa de assegurar credibilidade à transação. Com o comprovante do pagamento, o candidato a proprietário de um lote poderia ir ao escritório da advogada para então assinar o documento de compra.

— Você, assinando o contrato, tem direito a um terreno de 12 por 30 metros, com água, luz e esgoto. Sem problema na prefeitura ou em lugar nenhum - comentou o negociante.

Mas, ao ser questionado sobre requisitos importantes e básicos para qualquer loteamento, Virgen se perdeu na explicação. O empreendimento que ele pretende instalar não tem projeto encaminhado na prefeitura. Ele alega ter estudo de biólogos e que a aprovação ambiental será obtida com facilidade. No entanto, o Pioneiro constatou que a área oferecida possui araucárias, árvores protegidas por lei que não podem ser derrubadas. Além disso, o valor exigido pelos terrenos não cobriria a infra-estrutura básica prometida para área, conforme indica o Executivo.

— Ali (área comercializada) vai ser fácil, só tem uns eucaliptos e umas coisinhas poucas (mato). Não tem mata virgem - destacou o negociante do loteamento.

Para Virgen, vereadores ajudariam no projeto

Mesmo assim, Virgen, enquanto mexia em pastas e mostrava documentos sem qualquer timbre oficial, prometia tudo. Insinuava ter mantido contatos recentes com políticos da cidade e assegurava de todas as maneiras que o loteamento será aprovado com ajuda de vereadores candidatos à reeleição:

— Agora é ano político, por isso estou com pressa para vender os lotes e fazer a escritura em nome da cooperativa. Por isso quero estar, até o mês de maio, com o projeto pronto para encaminhar à prefeitura. Esse ano é político, daí os vereadores querem voto depois...

Até implantação de transporte coletivo urbano foi prometida:

— A gente já faz as ruas com o tamanho para o ônibus passar. Daí a prefeitura chega para a Visate (Viação Santa Tereza, prestadora do transporte coletivo urbano) e diz que está precisando de ônibus lá.

Depois de apresentar todas as vantagens, o negociante fez questão de mostrar a área aos potenciais compradores. A família de Virgin disponibilizou o próprio carro para levar os interessados à área. O caminho para chegar aos futuros terrenos passa pela localidade de São Giácomo.

— Isso é só por enquanto, porque quando o loteamento ficar pronto a entrada vai ser pela sede da Marcopolo (nas margens da RS-122) - alegou Leandro, o filho de Virgen que acompanhou a equipe do Pioneiro.

Virgen seria substituído na presidência da associação

O caminho é de estrada de chão e cercado de parreirais. Depois de subir um morro e passar por duas cancelas, se chega ao terreno: um matagal. Não há ruas nem limitações de terrenos e existe araucárias que, segundo Leandro, serão cortadas sem problemas:

— Vai ser tudo cortado, os pinheiros, tudo.

E o filho de Virgen garantiu que tem autorização.

— Isso aí foi estudado, o engenheiro foi atrás disso antes da cooperativa comprar a área. Como ele disse que tinha como conseguir liberação para cortar, nós compramos a área - assegurou.

Para comprar o terreno, basta pagar R$ 50 de taxa de inscrição na sede da suposta cooperativa e quitar um boleto bancário no valor R$ 1,5 mil, referente à entrada. Com o comprovante em mãos, uma advogada se encarregaria de fazer o contrato de compra e venda, que dá ao comprador o direito de ter um terreno no futuro loteamento e de ingressar na cooperativa.

Segundo Virgen, o novo proprietário pode até se tornar presidente da associação no lugar dele. Só não pode ter acesso ao extrato da conta onde são feitos os depósitos de pagamento. "Sigilo bancário", alegou o negociante.

Reprodução / 

Luiz Antônio do Virgen vende terrenos de um loteamento que não existe
Foto:  Reprodução


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