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 | 19/05/2006 16h39min

Ex-secretário diz que Lula renunciou à segurança

Luiz Eduardo Soares entende que crise poderia ter sido evitada em São Paulo

O ex-secretário nacional de Segurança Pública Luiz Eduardo Soares disse hoje que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva renunciou à segurança pública. Em entrevista ao clicRBS, o antropólogo comentou a onda de violência em São Paulo, disse que o problema é nacional e apontou alternativas para enfrentar as dificuldades.

– Ele (Lula) achou que seria arriscado tornar-se líder da reforma da segurança porque qualquer problema que ocorresse, em qualquer parte do país, lhe seria atribuído. Renunciou à segurança e substituiu nosso plano por ações da polícia federal, algumas boas, outras meros espetáculos políticos e midiáticos – destacou.

Soares deixou o cargo em outubro de 2003. Antes, participou da elaboração do Plano Nacional de Segurança Pública e conseguiu a adesão de todos governadores ao Sistema Único de Segurança Pública (SUSP). Até hoje, entretanto, a medida não foi implementada.

– O plano do governo Lula é bom, sério, consistente, tanto que foi elogiado até pelos adversários políticos. Faltou a determinação, a vontade, a decisão política de correr riscos e avançar – lamentou.

Como alternativa, o SUSP estabelece uma política nacional de segurança. Soares entende que ela deve ter dois alvos: a prevenção e a reforma das instituições polícias e penitenciárias. Além disso, transfere aos Estados o poder de definir o modelo de polícia que seja mais compatível com os problemas locais.

A crise em São Paulo, segundo o ex-secretário, poderia ter sido evitada. Soares afirmou que a Lei de Execuções Penais (LEP) – que separa os presos por grau de periculosidade ou tipo de crime cometido e prevê educação, trabalho, condições higiênicas aos detentos – não é implementada.

– O Brasil encarcera cada vez mais. São Paulo mais ainda. No entanto, a LEP não é cumprida. No fundo, os governos negligenciam o sistema penitenciário porque lá só estão os pobres e os negros. Esta é a verdade – analisou.

Por fim, Soares criticou a falta de debate sobre a segurança. Lamentou que o assunto seja tratado apenas em momentos de crise.

– Esse é nosso problema, está é nossa sina, nossa condenação. O país não aceita discutir a sério o problema, pensando grande e longe, discutindo o que pode realmente ser eficaz e sustentável. Só debatemos na crise. E aí...é o que se vê. Demagogia, improviso, irracionalidade.

A entrevista foi realizada pelo jornalista Hector Werlang e monitorada por Cláudia Ioschpe. Confira a íntegra.

Pergunta - Desde a última sexta, a violência  atinge o Estado de São Paulo. São 152 mortos vítimas dos confrontos entre supostos  criminosos e a polícia. Ao mesmo tempo, quase 80 rebeliões foram registradas. O governo  responsabiliza o Primeiro Comando da Capital (PCC). Como se consolida o poder do crime  organizado no Brasil?

Luiz Eduardo Soares – O problema vem de longe. O Brasil encarcera cada vez mais. São Paulo mais ainda. No entanto, a Lei de Execuções Penais (LEP) não é cumprida. Assim, cria-se o clima para explosões.

Pergunta (internauta) – O governo não podia ter agido antes em relação a todos estes ataques? Não houve avisos, sinais?

Luiz Eduardo Soares – Diz o governo que já sabia. Se já sabia, por que nada fez? De todo modo, o mais importante teria sido cumprir a LEP. Nesse caso, tudo seria diferente.

Pergunta - Por que a Lei de Execuções Penais não é cumprida? O que seria diferente?

Luiz Eduardo Soares – Pois é. Trata-se de um misto entre falta de prioridade e de recursos. No fundo, os governos negligenciam o sistema penitenciário porque lá só estão os pobres e os negros. Esta é a verdade. A LEP diz o seguinte: os presos devem ser separados de acordo  com seu grau de periculosidade ou tipo de crime cometido, as unidades seriam menores, todos teriam educação, trabalho, condições  higiênicas e de salubridade. Finalmente, as penas seriam cumpridas conforme as sentenças. Nem um dia a mais. Acontece que em São Paulo, há 38 mil presos, dos 144 mil, que já estão além do tempo!!!

Pergunta (internauta) – Nos Estados Unidos, existe uma teoria de que a violência diminuiu devido à legalização do aborto. Você concorda que essa teoria? Poderia funcionar no Brasil?

Luiz Eduardo Soares – Não creio na teoria do aborto. Ela é muito controversa.

Pergunta – Ainda sobre os presídios. O uso do celular por parte de presos ganhou destaque após a suposta entrevista do líder do PCC,  Marcos Camacho, à TV Bandeirantes. Marcola estava na Penitenciária de Presidente Bernardes, considerada a mais segura do Brasil. Como os telefones entram nos presídios?

Luiz Eduardo Soares – Celulares entram por conta da corrupção dos agentes.

Pergunta – Bloqueadores, então, não são a melhor alternativa?

Luiz Eduardo Soares – Bloqueadores são importantes, sim, mas não bastam.

Pergunta – O que fazer para evitar a  corrupção dos agentes?

Luiz Eduardo Soares – Primeiro: criar a carreira do agente. Formá-lo em escola própria. Criar mecanismos de gestão racional, nos presídios. Usar tecnologia disponível - não é tão cara - para monitoramento.

Pergunta (internauta) – As penas deveriam ser mais rígidas? Presos perigosos não deveriam ficar incomunicáveis? Sem a visita de ninguém, nem da mãe, namorada, advogado?

Luiz Eduardo Soares – Acredito que o que inibe o crime não seja o tamanho da pena, mas a certeza da punição. As penitenciárias têm de ser rigorosas no controle, mas se ela for rigorosa dentro da lei, com competência e sem corrupção, isto bastará.

Pergunta (internauta) – Em 2001, rebeliões simultâneas em São Paulo já tinham assustado o país. Desta vez, a coisa foi mais abrangente e mais séria. Como garantir que em cinco anos não ocorra algo ainda pior?

Luiz Eduardo Soares – Para que as coisas não continuem piorando, os Estados têm de cumprir a lei, isto é, a LEP. Ou vamos ter mais presos e os problemas só vão se complicar. São 350 mil presos no Brasil; 144 mil só em São Paulo. Por isso, São Paulo foi o palco da explosão.

Pergunta – O governo federal ofereceu ajuda, que acabou negada pelo paulista. A decisão do governador Cláudio Lembo foi acertada? De que forma a disputa política prejudica a resolução dos problemas?

Luiz Eduardo Soares – A disputa política é um dos maiores problemas. Por outro lado, essa história de "ajuda" é  um equívoco. O governo federal não deve dar "ajuda". Deve assumir suas responsabilidades permanentes.

Pergunta (internauta) – O Brasil tem muitos presos, muita falta de emprego e alternativas, os agentes de segurança ganham pouco. Como fazer com que o sistema prisional (ou a punição de crimes) seja realmente eficiente?

Luiz Eduardo Soares – Se o Estado pagar bem aos agentes, promover um plano digno de cargos e salários, formá-los adequadamente e organizar as unidades por parâmetros adequados, seguindo as regras da LEP, as coisas podem melhorar.

Pergunta – Qual a responsabilidade, então, do governo federal? É necessário ter uma política nacional de segurança pública?

Luiz Eduardo Soares – Exatamente.

Pergunta – O que esta política nacional deve contemplar?

Luiz Eduardo Soares – Uma política permanente, que não mude a cada governo e que integre e racionalize todo o sistema, que hoje está em frangalhos. A política nacional de segurança tem de  mirar dois alvos: prevenção e reforma das instituições da segurança, sobretudo polícias e  penitenciárias.

Pergunta – O senhor participou da elaboração do Plano Nacional de Segurança Pública, que entre outras medidas prevê a  criação do Sistema Único de Segurança Pública (SUSP). Também foi Secretário Nacional  de Segurança Pública no governo Lula. Por que o atual plano não foi totalmente  implementado?

Luiz Eduardo Soares – O plano do governo Lula é bom, sério, consistente, tanto que foi elogiado até pelos adversários políticos. No entanto, apesar de termos começado a implantá-lo, faltou a determinação, a vontade, a decisão política de correr riscos e avançar, para implantá-lo mesmo, profundamente.

Pergunta – E por que não foi totalmente implementado?

Luiz Eduardo Soares – O presidente achou que seria arriscado tornar-se líder da reforma da segurança porque qualquer problema que ocorresse  em qualquer parte do país lhe seria atribuído. Preferiu deixar a bomba no colo dos governadores.

Pergunta – Desta forma, o senhor entende que o presidente Lula fugiu do problema?

Luiz Eduardo Soares – Sim, o presidente Lula renunciou à segurança e substituiu nosso plano por ações da polícia federal, algumas boas, outras meros espetáculos políticos e midiáticos.

Pergunta (internauta) – Presos não deveriam trabalhar para pagar as despesas que geram para o Estado?

Luiz Eduardo Soares – Acho que sim, deveriam sim. E a LEP prevê isso, em parte.

Pergunta – O senhor falou em reformas. O que deve mudar?

Luiz Eduardo Soares – O que deve mudar: precisamos transferir aos Estados o poder de definir o modelo de polícia que desejam ter e que seja mais compatível com seus problemas. Isso exige uma reforma constitucional. Nós chamamos essa mudança de "desconstitucionalização". Precisamos também criar o SUSP, o Sistema Único de Segurança Pública, unificando, em parte, a formação, a informação, os métodos e ferramentas de gestão, etc...

Pergunta – Modelo de polícia compatível  com os problemas de cada Estado. Isso seria a polícia comunitária?

Luiz Eduardo Soares – Cada Estado decidiria se: (1) manteria as duas polícias, como hoje as temos; (2) as unificaria; (3) as dividiria regionalmente; (4) criaria polícias regionais, metropolitanas, municipais; (5) dividiria as polícias por tipos de crime e integraria o ciclo de todas elas. Enfim, há uma infinidade de  modelos. Policiamento comunitário é só um método, não uma a forma organizacional, ainda que seja mais compatível com alguns formatos do  que com outros.

Pergunta (internauta) – Crises como a que estamos vivendo hoje podem levar a  sociedade à direita? É comum ouvirmos pessoas que são defensoras dos direitos humanos  defendendo medidas extremas, como a pena de morte. Qual o risco de se aprovarem leis  sobre segurança em tempos assim?

Luiz Eduardo Soares – É perigosíssimo legislar reativamente, na crise, no rastro do medo e do ódio.

Pergunta (internauta) – O presidente Lula afirmou que a educação é a melhor  alternativa para acabar com o crime. O senhor concorda? De que forma investir em  educação poderia reduzir os índices de criminalidade num país em que não há empregos e  oportunidades para todos e onde a distribuição de renda é escandalosamente desigual?

Luiz Eduardo Soares – A insegurança é fruto de múltiplas  causas. A questão da educação é relevante, como inúmeras outras. Só que não podemos  esperar até que o país todo mude para então termos segurança.

Pergunta (internauta) – A construção de presídios menores não seria  uma alternativa viável?

Luiz Eduardo Soares – É isso o que seria mais adequado ao cumprimento da lei, da LEP.

Pergunta – Por que a segurança entra na agenda após grandes comoções nacionais? Há ainda os casos do ônibus 174 no Rio de  Janeiro e a megarrebelião do PCC em 2001...

Luiz Eduardo Soares – Esse é nosso problema, está é nossa sina, nossa condenação. O país não aceita discutir a sério o problema, pensando grande e longe, discutindo o que pode realmente ser eficaz e sustentável. Só debatemos na crise. E aí...é o que se vê. Demagogia, improviso, irracionalidade.

Pergunta – Como tornar a segurança, então, um debate nacional? Qual a responsabilidade da  sociedade?

Luiz Eduardo Soares – Para tornar esse debate um esforço sério e profundo, seria necessário que a opinião pública compreendesse sua importância, que os partidos tratassem o tema a sério e também a mídia o fizesse.

Pergunta (internauta) – Temos visto documentários, filmes, reportagens que mostram meninos e jovens dizendo que o crime dá vida curta, mas boa...como reverter essa mentalidade?

Luiz Eduardo Soares – O jeito é lhes oferecer esses benefícios, mas com uma vida longa e o sinal trocado, quer dizer, temos de disputar esses meninos com o tráfico.

Pergunta (internauta) – O senhor citaria o exemplo de algum país que conseguiu reduzir a criminalidade e violência?

Luiz Eduardo Soares – Muitos países tiveram êxito e muitos municípios brasileiros também: Colômbia, sobretudo Bogotá, e Diadema.

Pergunta – Mas os sinais atuais já não evidenciam que há problemas com a segurança pública?

Luiz Eduardo Soares – Sim, claro. Era isso, em parte, o que estava no plano do presidente Lula e que acabou engavetado, como eu disse.

Pergunta (internauta) – A quem pode interessar manter a atual situação e não  implementar uma política efetiva de combate à violência? E se não interessa a ninguém, por  quê não se faz nada?

Luiz Eduardo Soares – A responsabilidade é de todos, em algum nível, sim. Realmente, a insegurança  não interessa a ninguém. Por que, então, não conseguimos mudar? Escrevi alguns textos sobre por que não conseguimos mudar. Sugiro aos amigos uma visita ao meu site, onde estão vários desses textos: www.luizeduardosoares.com.br.

Pergunta (internauta) – A idéia de a iniciativa privada atuar na administração de  presídios no Brasil é viável?

Luiz Eduardo Soares – Não acho boa idéia. Esta é uma  função do Estado. Precisamos obrigar o Estado a cumpri-la. Caso contrário, vamos criar o lobby do crime, isto é, o grupo econômico que lucra e depende do aumento da criminalidade.

Pergunta (internauta) – E o que foi feito na Colômbia e em Bogotá poderia ser feito no Brasil?

Luiz Eduardo Soares – O que se fez: combinou-se reforma da polícia com ações preventivas locais, orientadas para os jovens vulneráveis. As polícias tornaram-se mais bem preparadas, menos corruptas e violentas. Reconquistaram credibilidade e apoio popular. Os  jovens vulneráveis foram valorizados em diversos programas simultâneos. Suas famílias foram amparadas.

Pergunta – E é possível aplicar esses exemplos internacionais no Brasil?

Luiz Eduardo Soares – Nós somos ou não somos a décima  primeira economia do mundo? Temos ou não temos condições de lidar com esse problema?  Claro que sim. Imaginem, amigos, se esta questão fosse  tratada como prioritária, realmente prioritária pelos governos? Podemos aprender com os  sucessos alheios, mas não pode haver aplicação mecânica. É necessário ser criativo.

Pergunta – Como assim?

Luiz Eduardo Soares – Quando estive em POA, fizemos um trabalho na Restinga e deu certo. Isso foi em 2001. Não sei se lembram. A inspiração era a mesma: criação de redes locais, envolvendo as polícias e ampla participação comunitária. Das redes participavam escolas, postos de saúde, conselheiros tutelares, etc...O que quero dizer é que devemos aprender com os bons exemplos dos outros países, mas que temos sempre de adaptar as experiências bem sucedidas à nossa realidade e isso exige criatividade.

Pergunta – O crime organizado está em  pauta, mas não é o único segmento da violência urbana. Há risco de centralizar o debate apenas no combate às facções criminosas?

Luiz Eduardo Soares – Sim, é importante, como você diz, não perder de vista a complexidade do universo do crime. Há muito mais do que o PCC.

Pergunta – No total, 107 suspeitos de  ligação com o PCC foram mortos. Entidades de Direitos Humanos questionam o grau de  violência e defendem a apuração das mortes. Há excesso por parte da polícia?

Luiz Eduardo Soares – A polícia não pode se render ao crime,  imitando-o. Se o estado rasga a Constituição, iguala-se ao crime e lhe dá a vitória.

Pergunta – O senador Cristovam Buarque (PDT-DF) disse hoje que o Brasil está em guerra civil. O senhor concorda?

Luiz Eduardo Soares – Não. Os efeitos são parecidos, mas faltam bandeiras, ideologias, projetos de poder. Felizmente faltam bandeiras e projetos de  poder, ou já estaríamos diante do problema do terror mais típico.

Pergunta – Qual a avaliação do senhor sobre  a gestão da segurança pública no Brasil?

Luiz Eduardo Soares – Não adiante buscar culpados individuais. As estruturas organizacionais dessa área não foram adaptadas ao novo quadro democrático, consagrado pela Carta de 88. São estruturas que vêm do regime autoritário. São estruturas que impedem que haja gestão nas polícias e nas unidades penitenciárias, com raras exceções. O grande problema são essas estruturas ingovernáveis, que sepultam as boas intenções e obstam mudanças, inclusive na mentalidade e nas práticas policiais.  Por isso, falo tanto nas inadiáveis reformas.

HECTOR WERLANG
 
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