| 27/06/2009 17h20min
– Aquilo ali é o resultado de mais de 50 anos de exploração desregrada do solo – denuncia o produtor rural Ovídeo Müller, apontando para o alto de um morro onde a terra está tomando o lugar da vegetação.
Há mais de duas décadas Müller, um gaúcho de 59 anos, migrou para Mato Grosso do Sul, onde possui uma fazenda de 700 hectares para criação de gado de corte, em São Gabriel do Oeste. Há cerca de três meses tomou a decisão de implantar a produção integrada de sistemas agropecuários como forma de aumentar a produtividade, recuperar áreas degradadas e aproveitar um córrego que atravessa sua propriedade.
A técnica implantada na fazenda de Ovídeo foi a silvipastoril (SSP), uma combinação de árvores e pastagem de gado manejados de forma integrada numa mesma área. De acordo com o pesquisador da Embrapa Florestas e doutorando pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), Vanderley Porfírio, a criação de animais com árvores na pastagem ajuda a reduzir o processo de erosão do solo e proporciona bem-estar aos animais.
– A recuperação do solo vai formar um pasto com mais nutrientes para o gado, com isso os animais engordam mais rápido e a madeira das árvores é alternativa de renda ao produtor que pode vendê-la para indústria de celulose e outras – explica o pesquisador.
A expectativa do produtor rural é que a experiência de criar gado com plantação de eucaliptos torne os pastos mais produtivos para aumentar a lotação atual de 0,5 para 2,5 animais por hectare/ano. A pastagem de boa qualidade reduz, em cerca de um ano, o desenvolvimento do animal, do nascimento até abate. Na medida em que uns são abatidos, outros ocupam seu lugar, ciclo que aumenta o giro de animais por pasto. O sistema SSP é executado em caráter experimental nos 21 hectares da fazenda. Com os resultados positivos, o sistema integrado de produção será implantado em toda a propriedade.
O projeto de produção integrada na fazenda de Ovídio Müller tem assistência do Comitê Técnico Gestor (CTG) de São Gabriel do Oeste (MS), formado por pesquisadores, produtores rurais da região, servidores da prefeitura e técnicos do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). Outros CTGs prestam assistência em Estados, como o Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e São Paulo.
O sistema de produção que, além da pecuária e da floresta, inclui a lavoura, é chamado sistema de Integração Lavoura, Pecuária e Silvicultura (ILPS) ou agrosilvipastoril. Cada região deve optar pelo mais adequado às suas características. Segundo o professor Aníbal de Moraes, no cerrado a integração é reforçada pela rotação de culturas, recuperação dos solos e das pastagens degradadas.
Já na região sul do Brasil o enfoque tem sido na rotação e diversificação de culturas, mas principalmente como alternativa de renda e uso das terras em períodos intermediários às lavouras de verão.
– Os benefícios da produção integrada lavoura e pecuária têm sido associados, invariavelmente à redução de custos, aumento da eficiência do uso do solo, da prevenção de pragas e de doenças, além do aumento de liquidez e renda ao produtor – afirma o professor Aníbal.
As vantagens do sistema de produção integrada já são comprovadas pelo produtor Vilson Brusamarello, 50 anos, dono de uma fazenda de mil hectares, também em São Gabriel do Oeste (MS). Há cinco anos, Brusamarello começou a alternar o plantio de soja no verão com a criação de gado no inverno, “num talho” de 85 hectares da propriedade.
– A melhor soja que colhi aqui da fazenda foi desse pedaço de terra – orgulha-se o produtor, que diminuiu em 25% a aplicação de agrotóxico.
– Em termos de controle de ervas daninhas e combate à praga é bem mais fácil – afirma.
A estimativa é de que a produtividade da soja colhida nessa parte da fazenda tenha aumentado em cerca de 15%.
Diante dos bons resultados, o produtor quer ampliar a produção integrada na propriedade. Em outros 22 hectares vai desenvolver o sistema lavoura, árvore e pasto e, em 21 hectares, a experiência será com pasto e floresta.
– Pelo que vi, posso falar com segurança que a produção integrada é um bom negócio – diz Brusamarello.
Além dos benefícios econômicos, a plantação de árvores nativas e eucaliptos no pasto freou o avanço de uma voçoroca, de 28 metros de profundidade por 32 de largura, que preocupava o fazendeiro.
Pastos degradados e baixa produção associados à pequena rentabilidade foram os motivos que levaram o gerente Adilson Kazuo, da Fazenda Modelo 2, no município de Ribas do Rio Pardo (MS), a implantar o sistema de produção integrada. A propriedade produz soja, milho, feijão e madeira, além de trabalhar com gado de corte. As lavouras seguem o sistema de plantio direto na palha (SPD).
– A presença da palha influencia diretamente na conservação da umidade do solo – explica Kazuo.
A integração lavoura-pecuária oferece mais flexibilidade no investimento. Se uma atividade apresenta melhor perspectiva pode-se investir mais e ter mais cautela na outra. Para saber no que é melhor investir, é feita uma análise dos custos de produção por hectare, das previsões climáticas e da expectativa dos preços do mercado. O sistema agrosilvipastoril começa com a lavoura intercalada com floresta. Depois da colheita, planta-se o capim para a criação do gado, favorecendo o bem-estar animal.
A melhora da fertilidade do solo se deve ao acúmulo de matéria orgânica, que renova o ciclo de nutrientes e aumenta a eficiência dos fertilizantes. A curto prazo, o produtor conta com a renda da agricultura; em médio prazo, com a pecuária. Mais adiante, dependendo da escolha, poderá vender a madeira para indústrias ou carvoarias.
As experiências de Ovídio Müller, Vilson Brusamarello e Adilson Kazuo mostram como o sistema de produção integrada, além de proporcionar ganhos financeiros, também permite a recuperação de solos degradados. O ILPS é um sistema nacional de uso racional do solo, em que interagem lavoura, animal e árvore na preservação do solo e da água, promovendo o desenvolvimento sustentável.
A recuperação de áreas degradadas por meio do sistema de produção integrada é, reconhecidamente, a melhor forma de aumentar a agropecuária no país, sem a necessidade de ampliar a fronteira agrícola. O Brasil tem como desafio recuperar cerca de 40 milhões de hectares de áreas degradadas. O sistema ILPS otimiza o uso do solo, aumenta a produção em áreas usualmente de pastagens e, ao mesmo tempo, incrementa a renovação do solo e o aproveitamento da adubação residual da lavoura de grãos.
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