| 20/06/2009 10h30min
O cenário é dramático. Na metade do atual século milhões de pessoas poderão estar fugindo de mares que se elevam, de secas ou enchentes devastadoras e de outros desastres naturais, em busca de locais mais seguros onde possam sobreviver.
Seria o maior processo migratório na história. O culpado? As mudanças climáticas globais. O mais preocupante é que tal panorama não está em um livro ou filme apocalíptico, mas sim em um documento produzido por cientistas ligados à Organização das Nações Unidas e à Universidade de Colúmbia, nos Estados Unidos, entre outras instituições.
Divulgado no dia 10, em conferência em Bonn, na Alemanha, o relatório In search of shelter – Mapping the effects of climate change on human migration and displacement destaca que o processo migratório já começou.
Os autores do estudo ressaltam que é difícil separar os efeitos do clima de outros fatores que estimulam o deslocamento populacional, como conflitos políticos, crises econômicas, crescimento populacional, destruição de ecossistemas e esgotamento de áreas cultiváveis.
Entretanto, segundo eles, as mudanças climáticas eventualmente terão um papel dominante ao ampliar todos os demais fatores. O relatório estima que o total de pessoas envolvidas nas migrações estimuladas pelas mudanças climáticas poderá pular de 50 milhões em 2010 para cerca de 700 milhões em 2050.
– O clima é o invólucro no qual todos nós vivemos nossas vidas. O relatório dispara a sirene de alarme. Geralmente categorizamos os pobres como aqueles que sofrerão mais, mas as sociedades mais ricas também perderão muito – disse Alexander de Sherbinin, da Universidade de Columbia, um dos autores do trabalho.
O relatório é baseado em um levantamento global e inédito a respeito de migrações e de mudanças ambientais. Apresenta uma série de mapas detalhados que mostram como e onde podem estar as áreas com maior risco de serem atingidas.
Entre os destaques do documento está que a falência de economias baseadas em ecossistemas, incluindo pesca, pecuária e agricultura de subsistência, será o principal fator para a migração forçada.
Outro ponto é que as mudanças climáticas deverão aumentar a frequência e a intensidade de desastres naturais, como ciclones, enchentes ou secas. A quantidade de chuvas em parte da América Central poderá cair pela metade até 2080. Agricultores no México e no norte da África já estariam deixando suas propriedades por conta das alterações nos padrões de precipitação.
O relatório aponta que o aumento no nível do mar ameaça diretamente a existência de pelo menos 40 países. A intrusão da água salgada, alagamentos e erosão poderão destruir a agricultura nas regiões densamente povoadas dos deltas de alguns dos principais rios do planeta, como o Nilo, Mekong e Ganges.
Uma elevação de dois metros, que está dentro de algumas projeções para este século, inundaria metade dos 3 milhões de hectares cultiváveis às margens do Mekong, no Sudeste Asiático. Algumas nações em ilhas do Pacífico, como as Maldivas, com cerca de 300 mil habitantes, começam a considerar planos de relocação.
Acordo sobre emissões
Os migrantes se deslocarão fundamentalmente dentro do próprio país ou para países vizinhos. Conflitos parecem ser uma consequência inevitável.
– As sociedades afetadas pelas mudanças climáticas poderão ficar presas em um movimento sem volta de degradação ecológica, rumo ao fundo no qual as redes sociais entrarão em colapso, com tensões e aumento da violência. Nesse cenário, grandes populações se verão forçadas a migrar como única alternativa de sobrevivência imediata – disse Charles Ehrhart, outro autor do estudo.
Sherbinin lembra que a estimativa é que a população mundial passe dos atuais 6,8 bilhões de habitantes para 9 bilhões em 2050.
– Os países estão ficando sem locais para alocar pessoas produtivamente – disse.
Os autores do estudo destacam que é fundamental que os países cheguem a um acordo para diminuir a emissão de gases que estimulam o efeito estufa na Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas que será realizada em Copenhague, na Dinamarca, de 7 a 18 de dezembro.
Mas, mesmo que um acordo seja conseguido – e que as emissões diminuam efetivamente –, os autores do relatório ressaltam que não isso não ocorrerá a tempo de evitar todas as migrações. Por conta disso, recomendam que os países priorizem as populações mais vulneráveis e invistam em medidas defensivas, como desenvolvimento de tecnologias de irrigação que usem menos água, diversificação econômica e sistemas nacionais de gerenciamento de desastres naturais.
– Novas maneiras de pensar e abordagens práticas são necessárias de modo a enfrentar as ameaças que a migração relacionada ao clima apresentam à segurança e ao bem-estar da humanidade – disse Koko Warner, chefe do Instituto para Segurança Humana e Ambiental da Universidade das Nações Unidas e principal autora do relatório.
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