| 24/05/2009 13h10min
Em que contexto está inserida a América Latina quando se analisa a produção científica em ambiente e sociedade? Existiria uma especificidade na produção intelectual latino-americana que refletiria as características históricas, sociais, culturais e, principalmente, ecológicas – como no caso do Brasil, que apresenta grande biodiversidade?
Um grupo de pesquisadores inseridos no Projeto Temático “A questão ambiental, interdisciplinaridade, teoria social e produção intelectual na América Latina”, apoiado pela Fapesp, levanta alguns diagnósticos que não só reafirmam as importantes contribuições dos pesquisadores latino-americanos no debate internacional em temas ligado ao ambiente e à sociedade como também identificam especificidades na produção científica da região.
– Identificamos como peculiaridades não apenas a diversidade de contextos empíricos, mas também a amplitude temática abarcada pelos trabalhos produzidos. Alguns temas se revelaram mais importantes e recorrentes na produção científica latino-americana sobre relações ambiente-sociedade quando comparados à produção dos países mais ricos – disse Leila da Costa Ferreira, coordenadora do Projeto Temático.
O projeto, segundo a professora titular do Departamento de Sociologia do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), surgiu a partir de um estudo anterior que deu origem ao livro Ideias para uma sociologia da questão ambiental no Brasil (Annablume, 2006). A obra insere a discussão sobre as ciências sociais brasileiras dando ênfase à questão ambiental e algumas conclusões são relevantes do ponto de vista da sociologia do conhecimento científico.
Para Leila, devido a seu “caráter interdisciplinar único” a temática ambiental tem o mérito de apresentar novos problemas e desafios não contemplados pelos clássicos das ciências sociais.
– Esses desafios resultaram na redefinição da agenda de pesquisa de sociólogos, cientistas políticos, antropólogos e economistas, à medida que foram obrigados a incorporar em seus estudos problemas que durante muito tempo foram negligenciados ou colocados de lado por serem considerados de importância marginal – disse a professora, que também coordena o doutorado em Ambiente e Sociedade na Unicamp.
Chama atenção o fato de a abordagem ambiental ter se desenvolvido tardiamente na sociologia, bem depois do tratamento pioneiro na biologia, ecologia, economia, demografia, geografia, dentre outras. A introdução do debate e da dimensão ambiental no interior das ciências sociais é um subcampo recente e os estudos nessa linha ainda são poucos.
– Ao mesmo tempo, também é surpreendente que em pouquíssimo tempo, nesta última década, a questão ambiental tenha se tornado tema altamente relevante para diversas áreas do conhecimento e mesmo a teoria social contemporânea esteja refletindo essa problemática de modo sistemático e crítico – afirmou.
O Projeto Temático, com término previsto para dezembro, não tem a pretensão, segundo Leila, de fazer uma análise comparativa, mas uma síntese parcial sobre a produção intelectual de alguns centros latino-americanos nessa área.
– O objetivo geral é sistematizar e revisar criticamente a produção das ciências sociais e dos estudos interdisciplinares sobre a questão ambiental na América Latina. E, especificamente, pretendemos realizar uma discussão teórica e crítica sobre a problemática da interdisciplinaridade tanto do ponto de vista da relação teoria social, ambiente e interdisciplinaridade como do institucional – explicou.
Leila conta que o recorte para o estudo se inicia a partir da década de 1970, uma vez que é nesse período que se inicia a institucionalização da área de ambiente e sociedade em nível internacional, incluindo a América Latina.
A metodologia adotada incluiu visitas a centros de pesquisa por membros do grupo, uma sistemática investigação da extensa bibliografia e entrevistas, além de pesquisas e levantamentos de dados pela internet. Foi também realizado um seminário internacional com os membros dos centros e universidades estudadas e a construção de um banco de dados.
Os centros analisados até o momento são: Instituto para Investigações Amazônicas (Imani), subordinado à Universidade Nacional da Colômbia; Centro Latino-Americano de Ecologia Social (Claes), no Uruguai; Programa para o Meio Ambiente das Nações Unidas (Pnuma), sediado no México; Comissão Econômica para América Latina e Caribe (Cepal), no Chile; Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais (Clacso), na Argentina; e a Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ambiente e Sociedade (Anppas), no Brasil.
Segundo Leila, ao optar por estudar esses centros de investigação foi preciso seguir alguns critérios, que deixaram de lado outros casos interessantes na América Latina.
– No entanto, é justo dizer que os autores e pesquisadores apresentados pelo trabalho são os que têm mais tradição e experiência na área ambiental, e cujos estudos representam as principais e significativas linhas de pensamento socioambiental que vem se desenvolvendo na América Latina – salientou.
A partir dos dados reunidos, é possível confirmar algumas das hipóteses que orientaram a pesquisa até agora. Em primeiro lugar, não só a produção científica latino-americana na área de relações ambiente-sociedade tem acompanhado o debate internacional, como também tem introduzido inovações na cena acadêmica.
Essa capacidade de inovação, segundo a professora da Unicamp, pode ser relacionada à perspectiva especial que cientistas latino-americanos desenvolveram em consequência da “posição periférica que ocupam na modernidade”.
– Ao mesmo tempo, na nossa perspectiva, isso não deve dar a impressão de que pesquisadores locais habitam um território cognitivo diferente quando comparados aos seus pares europeus ou norte-americanos. Pesquisadores latino-americanos compartilham com esses outros das mesmas referências epistemológicas, o que torna seus esforços científicos totalmente comunicáveis e mutuamente compreensíveis – destacou.
Um segundo ponto a ser salientado está nas peculiaridades das pesquisas latino-americanas, não só pela diversidade mas também pela amplitude temática.
– Nesse sentido, pobreza, desigualdades sociais, biodiversidade, entre outros temas, aparentemente refletem problemas particulares e dificuldades inerentes à região em escala e intensidade desconhecidas nas partes do globo cuja produção é tomada como bússola para a comunidade acadêmica – disse.
O grupo publicará em breve, pela Editora da Unicamp, o livro Teoria Social, Interdisciplinaridade e Questão Ambiental na América Latina, como resultado das atividades desenvolvidas no Projeto Temático apoiado pela Fapesp.
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