| 27/01/2009 19h40min
O presidente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) acredita que a onda de demissões gerada pela crise financeira mundial pode provocar um aumento da demanda por terras no país. Em entrevista ao Canal Rural, Rolf Hackbart afirmou que as famílias desempregadas devem deixar os centros urbanos e voltar ao meio rural, o que poderá engrossar a participação nos movimentos sociais. No entanto, ele ressalta que a crise poderá elevar também a oferta de terras para a reforma agrária, atendendo à pressão por novas áreas.
Para Hackbart, o balanço dos últimos cinco anos de trabalho é positivo. Entre 2003 e 2008, foram assentadas 526 mil famílias e 43 milhões de hectares incorporados à reforma agrária. Com esse resultado, o Brasil já soma mais de 82 mil assentamentos, um milhão de famílias atendidas e 80 milhões de hectares.
O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) tem criticado duramente a atuação do governo federal e afirma que 2008 foi o pior ano para a reforma agrária. Mas o presidente do Incra diz que os números são muito favoráveis: pelo menos 70 mil famílias assentadas (enquanto em 2007, foi de 67.200) e 99% do orçamento empenhado, de um total de R$ 4,2 bilhões.
Em 2009, a previsão é que o Incra tenha em caixa R$ 4, 6 bilhões, sendo que R$ 1,5 bilhão para crédito, R$ 950 milhões para obtenção de terras, R$ 230 milhões para assistência técnica, R$ 249 milhões para infraestrutura, R$ 70 milhões para recuperação ambiental e R$ 70 milhões para programa de educação.
A seguir, a entrevista completa com o presidente do Incra, Rolf Hackbart:
Canal Rural – Como foi o ano de 2008? O MST diz que foi o pior ano da reforma agrária, o senhor concorda?
Rolf Hackbart – Nosso balanço é positivo. A violência no campo diminuiu, as ocupações de terra diminuíram, nós empenhamos 99% do nosso orçamento que foi de 4,2 bilhões de reais para todas as áreas. Nós avançamos em incorporar milhões de hectares para reforma agrária, grande parte retomadas da grilagem da Amazônia Legal e iniciamos um trabalho muito grande de proteção do meio ambiente nos assentamentos. Hoje nós temos mais de 500 servidores trabalhando na recuperação ambiental dos assentamentos. Aumentamos os créditos para os assentados. Hoje uma família que for assentada tem o direito, de início, a cerca de R$ 13 mil reais de crédito de apoio à instalação, mais R$ 10 mil para construção de casa nova, mais R$ 5 mil para recuperação das moradias, mais a assistência técnica. Em termos de recursos e políticas, nós avançamos muito.
Canal Rural – Em 2008, o Incra apareceu no topo da lista do Ibama que listava os principais desmatadores da Amazônia. O que Incra está fazendo para conter este crime em áreas de reforma agrária?
Rolf Hackbart – Trata-se de 65 assentamentos no arco do desmatamento, cujos lotes estão ocupados por não-assentados. Nós já entramos nesses assentamentos, já estamos fazendo recadastramento. Tirar quem não tem direito a terra e montar um novo modelo de agricultura é o nosso grande desafio. O grande desafio também, além do acesso à terra, é desenvolver os assentamentos e proteger o meio ambiente.
Canal Rural – Quais são as perspectivas para 2009?
Rolf Hackbart – Nós estamos fechando na próxima semana a programação 2009/2010. Nosso foco continua sendo o acesso à terra, resolver os acampamentos, desenvolver os assentamentos com políticas de compra de produção, com assistência técnica, titular as áreas quilombolas e fazer a regularização fundiária massiva da Amazônia Legal, que é uma reivindicação da sociedade brasileira. Outro grande desafio para 2009 é avançar na reforma agrária em regiões tradicionais: sul, sudeste, centro-oeste e nordeste. Precisamos avançar mais nessas áreas, porque muita gente está sendo expulsa do campo, muitos estão sendo desempregados por outros setores da economia, e uma das alternativas mais baratas, que gera emprego e renda, é a reforma agrária.
Canal Rural – E a regularização fundiária da Amazônia continua por conta do Incra?
Rolf Hackbart – A decisão tomada pelo presidente da República é de que essa regularização fundiária será feita pelo Ministério de Desenvolvimento Agrário e pelo Incra, com a coordenação do gabinete do ministro Guilherme Cassel e com o apoio e a execução do Incra na Amazônia Legal e nas demais regiões do país.
Canal Rural – Qual a importância da regularização fundiária na Amazônia Legal?
Rolf Hackbart – A regularização fundiária é o primeiro passo para a legalização das terras. O grande resultado vai ser o combate à grilagem. Mas também não podemos criar uma panacéia de que a regularização fundiária vai resolver tudo. Há outros fatores, como políticas agrícola, o crédito, assistência técnica, a viabilização das cadeias produtivas e a geração de renda. O acesso à terra e a legalização da terra são passos importantes, mas não basta.
Canal Rural – A fiscalização ambiental neste ano terá uma atenção especial?
Rolf Hackbart – Este é outro aspecto que vai mudar muito. Onde não for cumprida a legislação ambiental, o imóvel que não cumprir a função social, a fiscalização vai aumentar. Isso está escrito na constituição. São desafios para 2009 e 2010.
Canal Rural – A crise financeira que o mundo enfrenta nesse momento deve trazer problemas para o campo? Vai refletir na demanda pela reforma agrária?
Rolf Hackbart – Já está trazendo. Mas é muito difícil dizer “no Brasil”. Depende do setor produtivo, da região. Tem regiões da cana, que com a crise nos preços do produto, a tendência é, e já está acontecendo, de muitos produtores procurarem o Incra e ofertarem suas terras. Isso porque fazem a conta de que o seu negócio não é mais viável.
Canal Rural – Mas por outro lado, a crise não deve aumentar a demanda por terras?
Rolf Hackbart – Sim. Parte das famílias desempregadas, das pessoas desempregadas, vai buscar na reforma agrária uma saída, inclusive saindo dos grandes centros urbanos e voltando a morar no meio rural. O grande desafio é morar em condições que gere renda, que tenha cultura, que tenha lazer, educação, saúde. Essa é a grande tarefa dos prefeitos.
Canal Rural – O Movimento dos Sem Terra aponta, muitas vezes, que a região sul é a mais complicada para avançar na reforma agrária. O senhor concorda?
Rolf Hackbart – Nosso desafio não é o Rio Grande do Sul. O nosso desafio é retomar as terras griladas da Amazônia Legal, é resolver conflitos em regiões tradicionais como Pernambuco e Goiás. No RS, eu sempre tenho dito, que dada a história do Estado, a política, a cultura, ou é gremista ou colorado, ou é chimango ou maragato, ou é a favor ou é contra. Como lá tem muitos movimentos sociais organizados e também um setor patronal consolidado anti-reforma agrária, imagens e fatos mostram que é o conflito é mais acirrado no Estado.
Canal Rural – E sobre os índices de produtividade? Quando deve sair a atualização?
Rolf Hackbart – A atualização dos índices de produtividade é uma determinação legal e contribui para a avaliação dos imóveis. O maior beneficiário da atualização dos índices de produtividade é o proprietário, para ele saber se está sendo produtivo ou não. Muitos proprietários estão trabalhando no negativo e sabem que a sua área não cumpre os requisitos mínimos da legalização ambiental e nem da legislação trabalhista. Outra coisa é que parte dessa legalização pode resultar para reforma agrária, mas só os grandes - acima de 15 módulos fiscais, e que forem viáveis para o programa. O trabalho está pronto. O então ministro Miguel Rosseto em 2005 já entregou o trabalho (e o ministro Guilherme Cassel atualizou o estudo no fim de 2008), mas está dependendo agora de uma reunião que o ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, vai ter ao convocar com o Conselho Nacional de Política Agrícola, para consultar sobre o trabalho feito. É uma portaria interministerial entre os ministros de Desenvolvimento Agrário e da Agricultura.
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