A premiação do 39º Festival de Cinema de Gramado foi consonante com a qualidade da seleção de longas estrangeiros e brasileiros. Como a seleção de filmes latinos foi de altíssimo nível, mais títulos foram lembrados pelo júri na distribuição de prêmios; já o irregular conjunto de produções brasileiras levou os jurados a dividirem a distribuição dos Kikitos entre duas obras: Riscado e Uma Longa Viagem. Entre os curtas-metragens, o carioca Um Outro Ensaio, amoroso retrato do cotidiano de um casal em que a mulher é cega, concentrou a premiação, levando cinco troféus, enquanto a criativa animação gaúcha Céu, Inferno e Outras Partes do Corpo, de Rodrigo John, ganhou o Prêmio da Crítica e os Kikitos de melhor roteiro e filme.

Na categoria estrangeira, o mexicano A Tiro de Piedra foi quem se deu melhor: o diretor Sebastián Hiriart subiu ao palco três vezes, erguendo as estatuetas de melhor ator, roteiro e direção — prêmio dividido com o argentino Gustavo Taretto, de Medianeras Buenos Aires — Na Era do Amor Virtual. O excelente ator e roteirista Gabino Rodriguez bisou o Kikito de melhor atuação — o mexicano também foi premiado no ano passado por Perpetuum Mobile. Outro artista que voltou a ser contemplado no festival serrano foi a colombiana Margarita Rosa de Francisco, de García, competente thriller que lembra os filmes policiais tortos dos americanos Joel e Ethan Coen — a atriz foi premiada em 1997 em Gramado por Ilona Chega com a Chuva. Já o Prêmio da Crítica destacou o comovente Jean Gentil, filme da República Dominicana que narra com concisão e emoção a história de um professor haitiano que tenta sobreviver no país vizinho.

— Que o Arquiteto Universal abençoe todos do festival — agradeceu o ator Jean Remy Genty, responsável por emprestar humanidade e dignidade ao melancólico protagonista do longa.

O júri dos longas brasileiros mostrou convicção e até coragem ao evitar a pulverização de troféus — expediente comumente adotado em casos de uma seleção fraca — e ao negar reconhecimento a dois filmes esquecíveis: País do Desejo, de Paulo Caldas, e Ponto Final, de Marcelo Taranto. O interessante mas irregular Olhe pra mim de Novo, documentário sobre um transexual dirigido pelo casal Claudia Priscilla e Kiko Goifman, também desceu a Serra de mãos vazias. O binômio amor e cinema, aliás, deu a tônica dos agradecimentos no Palácio dos Festivais: a diretora Natara Ney, do curta Um Outro Ensaio, emocionou-se ao dizer que o amor é a coisa mais importante do mundo e que só com esse sentimento se pode fazer cinema, enquanto o casal formado pelo ator Gustavo Pizzi e pela atriz Karine Teles, que receberam cinco estatuetas — incluindo direção, atriz, roteiro e melhor filme pelo Júri da Crítica —, citaram várias vezes o relacionamento de 10 anos.

— Dedico esse prêmio a minha mulher — disse no palco Caio Blat, casado com a atriz Maria Ribeiro, ao receber o Kikito de melhor ator, ganho por sua interpretação no documentário Uma Longa Viagem.

O filme da diretora Lúcia Murat proporcionou a Blat o segundo prêmio seguido em Gramado: no ano passado, o artista foi contemplado por Bróder, de Jeferson De — diretor que integrou o júri de longas brasileiros. Realizadora que se alterna entre o documentário e a ficção, Lúcia Murat rememora em Uma Longa Viagem a relação com os irmãos durante a ditadura militar nos anos 1970 por meio das cartas trocadas entre eles — Caio Blat dramatiza os textos escritos por um dos irmãos.

— O filme expõe sem medo a intimidade da família — resumiu a cineasta.