Festival de Cinema | 11/08/2011 20h10min
La Lección de Pintura
A competição dos longas-metragens latinos de Gramado 2011 já está totalmente comprometida. Não pelos filmes em si, que têm mantido a regularidade dos anos anteriores, e sim pela precaridade técnica com que eles estão sendo exibidos no festival. Quarto título da mostra estrangeira, o chileno La Lección de Pintura foi o terceiro a ser projetado a partir de uma matriz em DVD. Desta vez, sem a marca d'água típica das cópias de serviço e com uma qualidade um pouco melhor do que A Tiro de Piedra e Las Malas Intenciónes. Pior que estes dois, aliás, seria difícil. As imagens deste último tinham resolução tão baixa que era difícil identificar a expressão de seus atores.
As justificativas apresentadas pelo festival apontam para a demora no envio das cópias em 35mm por parte das distribuidoras, todas elas — exceto La Lección de Pintura, que segundo os organizadores teve a chegada impedida pelas cinzas do vulcão Puyehue, ainda ele, e as consequentes dificuldades de operação do aeroporto de Santiago. Uma pena, porque o trabalho do diretor Pablo Perelman, cujo longa mais conhecido internacionalmente é À Sombra do Sol (1974), merecia uma projeção à altura de suas belas imagens de uma pequena localidade chilena pouco antes do golpe militar de 11 de setembro de 1973.
Perelman carregou de pinceladas políticas a história original do escritor Adolfo Couve na qual um dono de farmácia apaixonado por pintura (Daniel Jiménez Cacho) vira tutor de um menino prodígio das artes plásticas (Juan José Susacasa). Com uma narrativa linear e sem malabarismos formais, uniu habilmente o drama de caráter social com elementos do melodrama clássico — especialmente ao expor o interesse da mãe do garoto (Verónica Sánchez) pelo homem. A condição da mãe solteira à época e a relação daquela gente simples com a arte aparecem, em função disso, com a complexidade e ao mesmo tempo a delicadeza da melhor dramaturgia. É uma das unanimidades de Gramado 2011.
As Hiper Mulheres (Brasil)
Antes da exibição de As Hiper Mulheres, o placar da mostra competitiva de longas nacionais de Gramado 2011 estava assim: os títulos inéditos (País do Desejo e Ponto Final) constituem as decepções do evento, enquanto as produções já exibidas em outros festivais (Riscado, Uma Longa Viagem e também o filme de abertura, O Palhaço) colhem os maiores elogios de público e crítica. Coube ao documentário de Leonardo Sette (cineasta), Carlos Fausto (antropólogo e diretor) e Takumã Kuikuro (índio realizador de curtas) mudar o jogo.
As Hiper Mulheres reencena o ritual feminino do Jamurikumalu, em que as mulheres da reserva indígena do Alto Xingu (MT) cantam, dançam e, à noite, dirigem-se às tendas onde dormem os homens de sua tribo em busca de sexo. As sequências em que elas invadem os seus dormitórios e os intimidam arrancam gargalhadas dos espectadores, mas nada que tenha a ver com desrespeito: há um despojamento em seu comportamento que faz parecer natural, embora tão curioso e inusitado, o quanto aquela organização social se apoia no poder e na iniciativa das mulheres. Impossível não sair da sessão instigado a a pensar sobre um tipo de vida tão próximo mas ao mesmo tempo tão distante da que nós levamos.
As Hiper Mulheres é bom por isso e pela riqueza visual e também sonora com que reproduz aquele ambiente. Mas o melhor do filme é o tratamento formal do tema: do mesmo modo que o ótimo Terra Deu, Terra Come (2010), trata-se de um documentário de registro de um ritual, ou seja, de construção da memória, porém, que flerta com a ficção à medida que se apoia em uma encenação — mesmo que filmada em seus trechos mais significativos por um representante da mesma etnia.
Não tem a inventividade de um Serras da Desordem (2006) nem os momentos transcendentais dos primeiros encontros dos índios com o homem branco registrados em Corumbiara (2009), para citar dois vencedores de Gramado que tratam da questão indígena, mas fez por merecer os aplausos ao fim da sessão.
ZERO HORA
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