Festival de Cinema | 08/08/2011 08h10min
Estamos em 2011, mas ao menos durante duas horas e meia Gramado voltou aos anos 1970 e 1980. Palco nobre da luta de cineastas e outros artistas contra a censura da ditadura militar - por aqui já houve exibição clandestina de filmes proibidos e as mais diversas manifestações de repúdio à repressão —, o evento sediou no sábado uma concorrida mesa-redonda intitulada A Censura Voltou? O Veto ao Longa A Serbian Film em Questão.
Foi, na verdade, uma espécie de roda viva na qual jornalistas, cinéfilos e curiosos em geral tentavam ao mesmo tempo entender e cobrar o diretor-adjunto do Departamento de Justiça, Classificação, Títulos e Qualificação do Ministério da Justiça, Davi Pires. Convidado dos organizadores do debate (a ACCIRS e a Abraccine, respectivamente as associações gaúcha e brasileira dos críticos de cinema), ele questionou o uso da expressão "censura", dizendo que a legislação não permite mais este tipo de ato de parte do Estado. Também explicou os procedimentos de liberação de uma obra de arte, de qualquer linguagem, para circulação no país.
— Somos 36 pessoas analisando 10 mil trabalhos por ano — explicou. — Cada análise é calcada em três pontos básicos: cenas de sexo, violência e consumo de drogas. É algo objetivo, não envolve considerações pessoais, mas aquilo que é mostrado objetivamente. Classificar com base em um julgamento de valor, sim, teria a ver com um tempo que já ficou para trás.
O que se formou na sala do Centro de Eventos do Hotel Serra Azul foi uma espécie de simulacro, em menor escala, da pressão que ligas de artistas e intelectuais vêm fazendo, e que motivou o Ministério da Justiça a rever sua posição inicial de não classificar uma idade mínima para se assistir a A Serbian Film - o que, na prática, embora Davi Pires rejeite o termo censura, inviabilizava qualquer exibição pública do filme. Após 14 dias proibido, o longa do estreante Srdjan Todorovic foi definido na sexta-feira como "permitido para maiores de 18 anos" e agora pode ter sessões em qualquer local do Brasil - exceto no Rio de Janeiro, onde segue em vigor a proibição da desembargadora Katherine Jatahy Nygaard, da 1ª Vara da Infância, da Juventude e do Idoso.
— Agora, sim, vamos poder pensar o lançamento do filme — disse a ZH, por telefone, do Maranhão, o seu distribuidor Raffaele Petrini. — A partir do dia 15 já faremos as primeiras sessões de pré-estreia e, no dia 26, o filme estreia em diversas capitais.
Quais, especificamente, o diretor da Petrini Filmes não quis especificar:
— Já fechamos prés em Maceió e Salvador, mas só a partir desta segunda-feira vamos de fato direcionar nossas energias para isso. Em Porto Alegre não acertamos nada com nenhum exibidor. Por enquanto...
Petrini se diz orgulhoso da pressão da sociedade em defesa da liberdade de expressão, mas, assim como Davi Pires, não considera o episódio encerrado.
— Nada impede que alguém mova uma ação contra o longa, como fez o DEM. Imagens que sugerem pedofilia, como as que estão relacionadas a este filme, extrapolam a ação do departamento de classificação - afirma o representante do Ministério da Justiça.
O distribuidor não está em Gramado, mas seu discurso é semelhante ao de quase todos os presentes que se manifestaram no encontro de sábado:
— Não entendo por que ficar tão em cima deste filme especificamente, que é trash, voltado para um público bem específico, e fechar os olhos para tantas outras cenas que estão por aí (a imagem de uma criança usando drogas em Se Beber, Não Case!, classificado como "16 anos", e até as cenas de humilhação pública dos reality shows da TV aberta foram citadas no debate). Em A Serbian Film a violência é condenada, praticada sempre pelos vilões ou então pelo mocinho quando ele é drogado para ser controlado pelos vilões. Fico pensando como ficariam filmes violentos como os recentes O Albergue 2 (2007) e Doce Vingança (2010) a partir destes parâmetros.
Após 14 dias proibido, o longa foi classificado na sexta-feira (5) como "permitido para maiores de 18 anos".
Foto:
Lauro Alves
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Zero Hora
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