| 29/10/2007 08h41min
O cultivo crescente da cana de açúcar levou o Brasil à condição de segundo maior produtor mundial de etanol (12 milhões de toneladas em 2006), mas os impactos socioambientais da atividade permanecem longe da unanimidade.
O documento que alerta para risco da produção de biocombustíveis à segurança alimentar, apresentado pelo relator especial da ONU para o tema, Jean Ziegler, na última Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), em setembro, também associa a condição dos trabalhadores da indústria canavieira no Brasil à escravidão. Afirma que eles chegam a receber apenas R$ 2,50 por tonelada cortada, em condições precárias, além de haver registros de centenas de mortes em serviço.
O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) aponta a atividade ainda como grande devastadora de florestas.
– É um modelo de monocultura destruidor, que causa danos irreparáveis ao meio ambiente e restringe a possibilidade de uma reforma agrária ampla e necessária no país – disse a porta-voz do MST, Marina dos Santos.
Para o presidente da Comissão Nacional de Cana de Açúcar da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Edison Ustulin, as críticas têm pretextos comerciais.
– O discurso ambiental equivocado está atrelado a pessoas que afetamos na concorrência internacional, pois estamos avançando com segurança, usando tecnologias corretas em áreas de pastagens e degradadas. Um caminho normal em um país que precisa melhorar o uso do solo. Ninguém de bom senso defende mexer com biomas como a Amazônia e o Pantanal – rebateu Ustulin.
A Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) estima uma produção voltada para o etanol de 470 milhões de toneladas de cana-de-açúcar no Brasil em 2007.
Ustulin classifica os casos de mortes de trabalhadores em lavouras canavieiras como fatos isolados:
– O contingente de pessoas é muito grande e algumas delas podem sofrer de doenças congênitas que escapem dos exames .
Para ele, os grandes grupos do setor têm consciência de que precisam garantir os benefícios sociais aos empregados.
– Quem utiliza mão-de-obra sem registro formal, por intermédio dos agentes conhecidos como gatos, tem que ser punido exemplarmente. O Ministério do Trabalho tem acompanhado com rigor – avaliou Ustulin.
Representantes dos trabalhadores rurais sugeriram ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no fim de agosto, a criação de um fórum permanente para discutir as condições de trabalho dos bóias-frias, como são conhecidos aqueles que vivem de trabalho temporário na colheita de cana-de-açúcar.
O representante da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) na América Latina, José Graziano, defende um reordenamento da cadeia produtiva do álcool, com maior participação de pequenos agricultores. Tal visão é compartilhada pelo dirigente da CNA.
– O Estatuto da Lavoura Canavieira no Brasil prevê que 40% da cana utilizada pelas usinas seja procedente de pequenos produtores, mas o instrumento não tem funcionado de fato, com usineiros trabalhando com 100% de matéria-prima própria – confirmou Edison Ustulin, para quem o setor encontra-se “à deriva” e precisa de regulação efetiva de mercado para evitar prejuízos que ainda afetariam produtores.
Para Ustulin, não existe o risco de a expansão dos biocombustíveis comprometer a segurança alimentar.
– Com o aumento do poder aquisitivo no mundo, as pessoas tendem a se alimentar menos – seguindo a cultura de vida saudável, disse.
Já o MST , segundo a porta voz Marina dos Santos, “defende que os recursos naturais sejam usados prioritariamente para produção de alimentos e geração de empregos”.
Quanto à proposta de um zoneamento agrícola impositivo no Brasil, recomendada pela FAO, a Comissão de Cana-de-Açúcar da CNA é contra.
– O zoneamento tem que ser mesmo indicativo, pois, se não há restrição ambiental, o produtor tem o direito de escolher a atividade produtiva que seja mais rentável, com ou sem crédito oficial. Agora, quem entrar em área proibida deve ser excluído de financiamentos – defendeu Ustulin.
O MST, informou Marina dos Santos, admite que até 20% das áreas de assentamento sejam utilizadas para produzir matérias-primas de energia, mas sem que a atividade se sobreponha ao cultivo alimentar.
AGÊNCIA BRASIL