| 16/10/2007 14h53min
O suíço Jean Ziegler, relator especial das Nações Unidas para o Direito à Alimentação, considera que a América Latina é o continente que demonstra ter mais consciência para o problema da fome, e expressa contrariedade ao impulso brasileiro na produção de biocombustíveis.
– Sem dúvida alguma, a América Latina é o continente mais consciente, o que mais faz para preservar esse direito básico que é poder comer todos os dias – disse Ziegler.
Em comemoração ao Dia Internacional da Alimentação, celebrado pela Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) anualmente em 16 de outubro, Ziegler tornou público um relatório provisório sobre o Direito à Alimentação que será apresentado em breve à Assembléia Geral da ONU.
Comida para 12 bilhões de pessoas
O texto afirma que atualmente existem no mundo 840 milhões de famintos, um número que segue crescendo. Diariamente morrem 24 mil
pessoas de fome, e por causas relacionadas com a desnutrição outras
100 mil.
– Por algo que poderia ser evitado, porque segundo dados da FAO, no mundo se produz comida para alimentar 12 bilhões de pessoas, ou seja, o dobro da população mundial, e por isso o caso de cada criança que morre de fome é um assassinato – assegurou Ziegler.
Segundo o relator especial, na luta contra "essa praga" há regiões mais ativas que outras e a América Latina se destacou por seu envolvimento direto.
No texto há um capítulo dedicado ao continente no qual se "celebra o dinamismo da região da América Latina e do Caribe em geral, e em particular a aprovação da iniciativa regional para erradicar a fome e garantir a segurança alimentar intitulada Iniciativa América Latina e Caribe sem Fome".
– Tudo começou com a campanha eleitoral do presidente (Luiz Inácio) Lula da Silva, na qual se destacou que a fome tinha de ser erradicada do país. Ao chegar ao poder, estabeleceu o programa Fome Zero – afirmou Ziegler.
O relator especial explicou que, posteriormente, outros países como Guatemala, Bolívia, Peru e Uruguai instauraram programas similares que, apesar de não terem obtido resultados extraordinários, contribuíram para atenuar o sofrimento dos que passam fome.
– Depois, o Brasil se uniu ao Chile e à Venezuela e lançaram a iniciativa regional, que inclusive foi apresentada na ONU. Realmente é o continente mais consciente – reiterou o responsável suíço, que, no entanto, não deixou de criticar o Brasil por querer expandir a produção de biocombustíveis.
– O programa Fome Zero atende a 44 milhões de pessoas. Se forem reduzidos os hectares para a produção de comida, cairá o número de pessoas que serão atendidas – assegurou.
A ameaça dos biocombustíveis
Ziegler é contrário à transformação em massa de plantios de alimentos em locais destinados a colheitas para a produção de biocombustíveis, porque, segundo disse, isso faria aumentar o número de famintos no mundo,
além de trazer implicações econômicas.
– Esse ano o preço do trigo dobrou em seis meses, e isso é causa direta do aumento da produção e da demanda por biocombustíveis – avaliou.
Outro dos argumentos contrários a esse tipo de produção é o de que o desemprego aumentará, aumentando o risco de crise de fome.
– Na agricultura tradicional, em cada 10 hectares trabalham de sete a 11 pessoas. Na produção de biodiesel, por cada 10 hectares só há um empregado – disparou.
Por tudo isso, Ziegler propõe que a Assembléia Geral da ONU estabeleça uma moratória de cinco anos na produção de biocombustíveis, e que esse período sirva para desenvolver novas técnicas que permitam a fabricação de biodiesel a partir de produtos não comestíveis. O relator suíço da FAO defende ainda o estabelecimento da proibição quanto à deportação de famintos no mundo.
AGÊNCIA EFE