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 | 16/06/2010 02h49min

Aposentado conta que diferença farão os R$ 17,49 que receberá a mais com o reajuste

O presidente Lula autorizou ontem aumento de 7,72%

Flávio Ilha  |  flavio.ilha@zerohora.com.br

Os seis comprimidos por dia, mais as sessões de quimioterapia, são pagos pelos filhos – quatro, no total, que também trazem a carne do churrasquinho do domingo que seu Lucas ainda assa, apesar de sentir-se cansado.

Metalúrgico aposentado desde 1987, Lucas Venâncio da Silva Siqueira, 79 anos, sabe bem o que vai fazer com os R$ 17,49 a mais no contracheque a partir de julho, resultante da diferença de 1,58 ponto percentual entre os 6,14% de aumento propostos pelo governo para as pensões acima de R$ 510 e o reajuste de 7,72% aprovado pelo Congresso.

– Eu? Se Deus quiser, vou aliviar um pouco a conta dos meus filhos. São eles que me compram todos os remédios – diz Lucas, 37 anos de trabalho, R$ 1.107 de benefício mensal, morador do bairro Navegantes, em Porto Alegre.

O aumento para quem ganha acima do mínimo, mantido ontem pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva depois de quase um mês de suspense, não é tão grande assim para atender ao desejo de seu Lucas. Somados os 13 salários de um ano, a alta chega a R$ 227,37 – insuficiente para pagar um terço de apenas uma das seis sessões de quimioterapia que faz por ano, para combater um câncer de próstata.

Mesmo assim, bate palmas:

– Sempre ajuda. Qualquer aumento ajuda, mesmo sendo pouquinho. Até porque o salário sempre acaba bem antes do fim do mês.

Ao lado da mulher Cely, com quem se casou há 54 anos, Lucas faz ginástica para viver com o benefício da Previdência. Gasta toda a sua pensão e a de Cely, que ganha um salário mínimo, nas contas básicas de uma casa: luz, água, mantimentos. Lá pelo meio do mês, o dinheiro começa a escassear. Poupança para uma emergência? Nem pensar, diz.

Entidade vê alta como uma vitória

A diferença na conta de seu Lucas, somada à dos 8,3 milhões de aposentados que recebem acima do mínimo, vai custar ao governo R$ 1,6 bilhão. A conta, anunciada pelo guardião do cofre, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, será compensada com cortes orçamentários na mesma proporção. O ministro não disse quais áreas seriam afetadas, mas afirmou que poderá ser repassada aos congressistas por meio do corte de emendas parlamentares. E também há quem avalie que os recursos poderão provir do aumento da arrecadação (veja matéria na página ao lado).

O presidente da Federação dos Aposentados e Pensionistas do Rio Grande do Sul (Fetapergs), Osvaldo Fauerharmel, considerou a decisão uma vitória para os aposentados, apesar da diferença pequena no salário do final do mês. Quem ganha R$ 520, por exemplo, terá um impacto de apenas R$ 8,21.

– Vale como símbolo de uma luta que travamos há muitos anos – disse.

Seu Lucas que o diga. Dirigente sindical desde 1944, o metalúrgico já esteve com o candidato Lula em 2002 para reivindicar uma política de recuperação das pensões pagas pela Previdência, que o fizeram perder mais de 50% da renda em pouco mais de 20 anos. Quando se aposentou, Lucas recebia 4,6 salários mínimos – em valores atuais, deveria receber um benefício de R$ 2.346 por mês.

– Na época, ele disse que a situação era absurda e que, se ganhasse a eleição, resolveria o problema em um mês. Mas, até hoje, nada – recorda o aposentado.

De olho nas urnas

Ao mirar as urnas, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deu sinal verde ontem para o reajuste de 7,72% das aposentadorias maiores que um salário mínimo, conforme aprovado pelo Congresso, mas elevou em R$ 1,6 bilhão as despesas do governo este ano, que tinham por base um aumento de 6,14%.

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, explicou que os recursos serão compensados por cortes na máquina e emendas de parlamentares. Mas como a economia está em crescimento, até o aumento na arrecadação deve ajudar a equilibrar o Orçamento.

A área econômica, que pressionou pelo veto dos 7,72%, perdeu a queda de braço para a área política sobre o índice retroativo a janeiro, a beneficiar 8,3 milhões de aposentados. Lula decidiu ainda manter o fator previdenciário, cuja extinção o Congresso incluiu na mesma lei.

Os pagamentos de julho já virão com o índice novo, informou o ministro da Previdência Social, Carlos Eduardo Gabas. Como o aumento vale desde o início do ano, existe uma diferença referente aos meses de janeiro a junho a ser quitada. O pagamento ainda será objeto de discussão com a Fazenda, mas Gabas acredita que tudo estará regularizado até agosto.

Coube a Mantega, anunciar a decisão de Lula, tomada em reunião marcada para as 9h, com o objetivo de concluir as discussões antes do jogo de estreia da Seleção:

– O presidente nos autorizou a fazer cortes que vão compensar o gasto adicional.

Ele observou que o governo já reduziu as despesas do Orçamento em R$ 20 bilhões em março e mais R$ 10 bilhões em maio. Adicionalmente, haverá o corte de R$ 1,6 bilhão, tudo para garantir que o governo cumpra sua meta de desempenho fiscal.

– Vai doer – avisou.

A tesoura recairá sobre as despesas de custeio da máquina e emendas de parlamentares, informou Mantega.

– O governo está dando sua contribuição no custeio, e o Congresso, com as emendas – explicou. – Se o Congresso fez uma opção, também tem de se responsabilizar por ela.

Mantega negou que o corte das emendas seja uma represália aos parlamentares. Nos bastidores, porém, o tom é esse. Há sinais de que o corte de R$ 1,6 bilhão seja mais um gesto político no sentido de reafirmar a responsabilidade fiscal do governo do que uma medida fundamental para manter o equilíbrio orçamentário. Isso porque a arrecadação vem batendo recordes sucessivos, abrindo espaço para acomodar novos gastos. Dependendo do desempenho das receitas, parte dos cortes de R$ 10 bilhões e R$ 20 bilhões a que Mantega se referiu pode ser revertida.

O próprio governo já havia aceitado acomodar um aumento maior do que 6,14% durante as negociações com o Congresso, colocando sobre a mesa a oferta de uma alta de 7%. Entre os 7% e os 7,72%, a diferença é de R$ 500 milhões, menos do que um dia de folha salarial da União. No domingo, Gabas declarou que havia condições de pagar 7,72% – contrariando discurso dos colegas da área econômica.

–Não prevaleceu nenhuma avaliação política – afirmou o líder do governo na Câmara, Cândido Vaccarezza, ao negar que Lula tenha aceitado o reajuste maior para ajudar a candidata do governo, Dilma Rousseff.

O que pesou na decisão do presidente, segundo explicou, foi a constatação de que, ao vetar os 7,72%, o governo teria de enviar outra medida provisória propondo novo reajuste.

Do contrário, a correção dos benefícios ficaria em apenas 3,53%, correspondentes à inflação do período, garantidos pela Constituição. E, certamente, ao analisar uma nova MP às vésperas da eleição, os parlamentares não concordariam com um aumento menor do que o já aprovado.

– Não passaria nada menor do que os 7,72% – disse. – Há um sentimento eleitoreiro de que pode tudo.

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