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 | 11/06/2010 03h27min

Disputa por recursos dos royalties dos petróleo abre guerra entre os Estados

Presidente Lula reforçou a tese de que poderá vetar a medida

Marta Sfredo*  |  marta.sfredo@zerohora.com.br

Um novo round na batalha pela bilionária fonte do petróleo no país, reforçada pelo pré-sal, é travado desde ontem, com a aprovação, durante a madrugada, da distribuição igualitária de royalties entre Estados e municípios. Enquanto produtores como Rio e Espírito Santo prometem recorrer à Justiça alegando inconstitucionalidade, outros Estados, como o Rio Grande do Sul, que não produz petróleo, poderá receber cerca de R$ 500 milhões se a emenda for aprovada. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva reforçou a tese de que poderá vetar

Aprovada na madrugada de ontem, a distribuição uniforme dos royalties do petróleo entre Estados e municípios abre novas frentes de conflito que envolvem Justiça, relação federativa, risco regulatório e política. Os governadores de Rio e Espírito Santo ameaçam recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) caso o presidente Luiz Inácio Lula da Silva não vete a emenda sustentada por dois parlamentares gaúchos – o deputado Ibsen Pinheiro e o senador Pedro Simon, ambos do PMDB. Na avaliação do constitucionalista Ives Gandra Martins, caso ações diretas de inconstitucionalidade cheguem ao STF, terão grandes chances de ser acolhidas.

– Não vejo como um lei ordinária possa suprimir o que está previsto no parágrafo primeiro do artigo 20 da Constituição – argumenta, lembrando que o texto se refere à participação de Estados e municípios no resultado da exploração de petróleo ou gás natural mesmo na plataforma continental.

O especialista acrescenta que, em decisão recente, o Supremo decidiu a favor de municípios situados em áreas limítrofes a campos de petróleo, numa discussão envolvendo que era ou não território da União.

Lula avisa que veta exageros

Até mesmo o autor da emenda que passou na Câmara, Ibsen Pinheiro, não duvida que o assunto prosseguirá na Justiça:

– Tenho certeza de que isso vai aos tribunais, mas também de que a votação é perfeitamente constitucional. A Constituição estabelece que o mar territorial é da União, não dos Estados.

Durante o dia, Lula reforçou a tese de que poderá vetar a emenda, levantada durante a madrugada pelo líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR).

– Quando há algum exagero eu veto – afirmou o presidente a uma rádio de Aracaju, perguntado sobre a emenda.

Pressionado pela urgência na aprovação da capitalização da Petrobras e disposto a garantir a mudança do modelo de concessão para partilha nas áreas ainda não licitadas do pré-sal, o governo optou pela estratégia do mal menor. Havia pressa porque, sem a operação, a empresa não teria condições de ampliar seu plano de investimentos, o que atrasaria o início da exploração do pré-sal. Apesar de ter exasperado senadores petistas como Aloizio Mercadante (SP), a emenda de Simon acabou representando o preço a ser pago para garantir projetos considerados mais estratégicos, até por ter desviado o foco da tentativa de rejeitar a mudança de modelo feita pelo PSDB.

– Não disse que iríamos aprovar tudo antes das 4 (horas) da manhã – disse um sereno Jucá para um colega depois das 3h de ontem, em plenário.

Uma forma de desestabilizar a estratégia seria derrubar o eventual veto presidencial, intenção manifestada pelo líder do PSDB no Senado, Arthur Virgílio (AM), assim que Jucá avisou sobre a hipótese. Paulo Ziulkoski, presidente da Confederação Nacional dos Municípios, considera que haveria chance de derrubar o veto no período pré-eleitoral:

– Para termos sucesso tem de ser antes da eleição.

Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infra Estrutura, avalia que a aprovação reflete o tipo de debate travado tanto na Câmara quanto no Senado:

– É focado no aspecto político, nunca nas questões técnicas. Essa emenda é fora de propósito, porque mostra falta de entendimento do que são royalties.

* Colaborou Caio Cigana

Entenda mais
O QUE MUDOU
- A emenda apresentada pelo senador Pedro Simon, inspirada em proposta semelhante aprovada na Câmara pelos deputados Ibsen Pinheiro, Humberto Souto e Marcelo Castro, redistribui os recursos arrecadados a títulos de royalties e de participações especiais em todos os campos no mar. O que estava em discussão no Congresso eram regras para exploração em áreas ainda não licitadas do pré-sal.
O QUE SÃO ROYALTIES
- Compensação financeira que produtoras de óleo e gás devem ao poder público, como forma de remunerar a sociedade pelo uso dos recursos naturais.
O QUE É PARTICIPAÇÃO ESPECIAL
- Compensação extraordinária em casos de grande rentabilidade, incide sobre a receita.
CAPITALIZAÇÃO DA PETROBRAS
Outras mudanças aprovadas:
- Prevê que a União repassará à estatal cerca de 5 bilhões de barris das reservas ainda não licitadas no pré-sal. A Petrobras pagará por essas reservas um valor determinado por empresas certificadoras. Para isso, poderá emitir títulos públicos, que serão usados pela União para elevar sua participação no capital da empresa. Acionistas minoritários poderão comprar ações. Foi confirmada a possibilidade de uso de FGTS pelos atuais cotistas de fundos de ações da Petrobras criados em 2000.
FUNDO SOCIAL
- Prevê como serão investidos os recursos da União obtidos com a venda do petróleo do pré-sal, para benefício das gerações futuras. Terá 50% dos recursos aplicados em educação, e o restante dividido entre ambiente, cultura, ciência e tecnologia, esportes e saúde.
MODELO DE PARTILHA
- Muda a forma de exploração, apenas para áreas do pré-sal ou outras grandes acumulações de petróleo estratégicas. Futuras licitações serão vencidas pelo consórcio que oferecer à União a maior parte do petróleo ou do gás extraído, descontados os custos.Define participação mínima de 30% da Petrobras em todas as áreas.

"Eles queriam deixar para o dia de são nunca", diz senador Pedro Simon

Autor da emenda aprovada ontem, o senador gaúcho Pedro Simon (PMDB) avalia que os colegas votaram por seus Estados e pela garantia de que a União compensaria as perdas de Estados e municípios prejudicados.

Zero Hora – Como foi a articulação para a votação da emenda, que não era esperada?

Pedro Simon –
Com toda a sinceridade, eu não fiz nada. Apenas debati e fiz o pronunciamento. Havia um sentimento de que no Senado se apresentou uma complementação do que foi aprovado na Câmara, de distribuir entre todos os Estados e tirar do Rio e Espírito Santo. No projeto votado ontem, eles (Estados e municípios produtores) não perdem nada. A União vai transferir o que for preciso. Ao fazer as contas, a maioria dos senadores votou com o interesse dos seus Estados, não prejudicando (Rio e Espírito Santo).

ZH – Havia um acordo entre governo e oposição para esse ponto ser votado depois das eleições?

Simon –
É o que o governo queria, deixar para depois das eleições. O que a gente propôs é que, se fosse deixar para depois, que deixasse tudo. O governo queria votar tudo, menos a distribuição dos royalties, e a conclusão é que queriam deixar os royalties para o dia de são nunca. Isso não foi aceito. O governo tem maioria, mas muitos senadores da base aceitaram a tese de que votariam por seus Estados e assim seria feita uma verdadeira reforma tributária.

ZH– O fato de ser um período eleitoral facilitou a aprovação?

Simon –
Eu não teria condições de negar. É evidente que isso deve ter contribuído para eles votarem um projeto favorável aos seus Estados. É difícil o cidadão votar contra o seu Estado, seja qual for o período. E no momento que se fez a alteração, quem paga é a União. Acho que o presidente Lula não vai vetar. É uma verdadeira reforma tributária que Brasília estava esperando há muito tempo.

"O Estado (do Rio de Janeiro) vai falir", diz Rosinha Garotinho, prefeita de Campos

Prefeita de Campos (RJ), Rosinha Garotinho (PR) é também presidente da Organização dos Municípios Produtores de Petróleo (Ompetro), que reúne cidades de Rio de Janeiro e Espírito Santo.

Zero Hora – Que prejuízos prevê para Campos e demais municípios que estão na Ompetro?

Rosinha Garotinho –
Os prejuízos são totais. Campos, a exemplo dos outros municípios, perde 70% da arrecadação. Isso vai fechar a prefeitura, parar todas as obras. Macaé, também no Rio, perde 90% da arrecadação. O Estado vai falir. O Rio e seus municípios perdem cerca de R$ 10 bilhões por ano.

ZH – Quais são os principais argumentos dos municípios produtores contra a emenda?

Rosinha –
É um ato inconstitucional. Estão rasgando a Constituição por uma questão eleitoral. Se acontece aqui algo semelhante ao que houve no Golfo do México (explosão da plataforma que provocou o desastre ecológico nos EUA), esse impacto fica para quem? Para o Estado do Rio e os municípios. Quando foi feito o pacto federativo, em 1988, o único produto que paga imposto no destino e não na origem é o petróleo. Em função disso, deram para os Estados e municípios produtores participações especiais.

ZH – Uma mudança pode ocorrer por negociação política ou só na Justiça?

Rosinha –
Só no Supremo (Tribunal Federal, o STF). Chance zero de o Congresso reverter. O governo mandou em caráter de urgência para ser votado, mas queria deixar a divisão de royalties para depois da eleição.

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