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Eleições  | 11/08/2010 05h01min

Urnas não punem mau uso da verba pública

Políticos envolvidos em escândalos muitas vezes se reelegem com pequenos favores a eleitores

Flagrado em 2006 de calção de banho, barriga à mostra, no mar em Balneário Camboriú (SC), Flávio Marques Martins (PTB) foi reeleito vereador de Rio Pardo dois anos depois – e com votação superior. Mesmo que, naquela ocasião, devesse estar em sala de aula, e não fazendo turismo com dinheiro público.

Luiz Henrique da Silva (PDT), após divertir-se no litoral catarinense enquanto a população lhe pagava um curso fictício, teve 61% de votos a mais na eleição seguinte, em Triunfo. Por que, afinal de contas, o eleitorado segue consagrando políticos apanhados em escândalos?

Especialistas consultados por Zero Hora são unânimes em apontar a troca de favores como fator-chave. Se o parlamentar conceder qualquer benesse ao eleitor – seja uma emenda trazendo asfalto para a esquina de casa, um emprego para o vizinho, uma vaquinha para o caixão do marido morto –, não importa que mais tarde ele seja flagrado na bandalheira: já tem o voto garantido.

– Não interessa se o político dá um desfalque no erário, se confunde o público com o privado. Boa parte da população se contenta com pequenas coisas, desde que a afetem diretamente – diz o sociólogo Sérgio Amadeu da Silveira, doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP).

É o legítimo “rouba mas faz”, slogan imortalizado pela campanha de Ademar de Barros à prefeitura paulista, na década de 50. Entre os 17 vereadores flagrados fazendo turismo em 2006, na hora em que deveriam participar de cursos parlamentares, 11 foram reeleitos dois anos depois. No domingo passado, reportagem da RBS TV mostrou o desleixo com o erário se repetindo: cadernos e professores novamente cederam lugar a praias e cachoeiras paradisíacas.

Favores rendem frutos nas eleições

O ex-presidente e hoje senador Fernando Collor (PTB-AL), o deputado federal Jader Barbalho (PMDB-PA) e o ex-governador do Distrito Federal José Roberto Arruda (DEM) são alguns célebres casos de políticos que, após os escândalos, retornaram ao poder.

Professor de Filosofia e Ética Política da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Roberto Romano lembra que 70% da arrecadação de impostos no Brasil segue para os cofres federais. Um prato cheio para a “política do favor”, diz ele. Deputados só conseguem a reeleição se levarem obras às suas regiões – e, para isso, precisam trocar favores com o governo, facilitar votações na Câmara. Vereadores sobrevivem fazendo o mesmo no âmbito municipal:

– O eleitor, por fim, acha que recebeu um favor – afirma Romano. – E os casos são inúmeros: o vereador consegue com a prefeitura uma ambulância, por exemplo, e leva o filho da dona Maricota para o hospital. Pronto, ficou marcado o favor.

A cientista política da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Céli Pinto diz que os brasileiros, de um modo geral, não elencam a corrupção entre as principais preocupações na hora do voto. Pelo contrário: trata-se de eleitores complacentes a condutas desse tipo. Grande parcela deles, segundo Céli, também é corrupta ao burlar o imposto de renda, furar o sinal vermelho ou recorrer da multa quando a infração ocorreu.

– Ainda somos uma democracia muito jovem. A ideia de que somos todos responsáveis pelo país e pelo dinheiro público ainda é frágil demais – avalia a professora.

Roberto Romano lembra as revoluções democráticas da Inglaterra, no século 17, e dos Estados Unidos e da França, no século seguinte. Estabeleceu-se ali uma repartição igualitária dos recursos públicos, coibindo a prática do favor.

Como a maioria dos cidadãos tem dificuldade em acessar o resultado dos impostos, eles dependem de favores. Uma coisa é você chegar a um hospital dizendo que precisa de atendimento, outra é chegar lá com uma carta de vereador.

"Cidade pequena é assim"
Nery Petter, vereador de Lindolfo Collor flagrado no uso indevido de diárias em 2006 e reeleito dois anos depois

Flagrado em Balneário Camboriú (SC) desfrutando de diárias pagas pela Câmara de Vereadores de Lindolfo Collor, em 2006, Nery Petter (PSDB) se reelegeu em 2008 com mais votos do que na eleição anterior. E foi escolhido pelos outros vereadores para presidir a Casa. O preço das diárias segue nos R$ 210, mas os cursos se restringiram a Porto Alegre, onde se pode ir e voltar no mesmo dia:

Zero Hora – Qual foi a reação dos seus eleitores em 2006?

Nery Petter – Parece que houve protestos, mas eu estava de férias. Todo mundo me conhece aqui na cidade, sabem que eu não fiz maldade. Eu participei 100% do curso. Ninguém me cobrou nada.

ZH – O senhor foi condenado a pagar multa e ressarcir os cofres públicos em R$ 1.615,75. Os valores já foram pagos?

Petter – Estão sendo.

ZH – Foram parcelados?

Petter – Sim. Em três anos.

ZH – O senhor foi cobrado pelo povo nas ruas?

Petter – Não.

ZH – Ninguém lhe cobrou nada, nenhuma explicação?

Petter – Não, ninguém.

ZH – Então isso não lhe afetou?

Petter – Não, tanto que fui reeleito.

ZH – Com quantos votos?

Petter – 161.

ZH – E quantos votos o senhor tinha recebido na eleição anterior?

Petter – 142 votos, em 2004 (o site do Tribunal Regional Eleitoral registra 154 votos para o candidato na eleição de 2004).

ZH – O senhor teve mais votos após o episódio de 2006?

Petter – Sim. Da outra vez eu entrei em último e agora ficaram três para trás de mim.

ZH – O senhor está acompanhando o caso de Triunfo?

Petter – Sim. Acho que se o vereador levou a família e gastou do dinheiro da Câmara, o que não está bem claro ainda, aí é dinheiro do povo que ele está gastando com a família, não com o curso.

ZH – O povo perdoa ou esquece esse tipo de coisa?

Petter – Acho que, se o vereador trabalha pelo povo, ele se reelege. Cidade pequena é assim.

ZH – Isso demonstra que o fato de 2006 não influenciou em nada?

Petter – Não. Não influenciou em nada.

ZH – O senhor voltou a usar diárias?

Petter – Sim, participei de um curso em Porto Alegre.

ZH – Sobre o que era o curso?

Petter – Sobre gastos. O que pode ser gasto pela Câmara.

"Às vezes, vota porque admira"
Sérgio Moraes, deputado candidato à reeleição

A seguir, a síntese da entrevista do deputado gaúcho Sérgio Moraes (PTB), que ganhou destaque nacional no ano passado ao afirmar que estava “se lixando” para a opinião pública:

Zero Hora – O que leva um eleitor a dar o seu voto a um determinado político?

Sérgio Moraes – Acredito que é o trabalho prestado, a confiança, a admiração, às vezes, por fatos até bem estranhos. Às vezes, alguém vota porque admira o sujeito cantando, outro vota porque admira ele como advogado.

ZH – No seu caso, o que pesa?

Moraes – Trabalho, muito trabalho. Na minha região, faço mais de 50% (dos votos) em quase todos os municípios. E elejo quem eu quero para a prefeitura ou para a Câmara de Vereadores ou para deputado estadual e federal. Sou, talvez, o único político da história que conseguiu eleger todos dentro de casa (a mulher, Kelly, e o filho Marcelo), que quis eleger e ao cargo que quis.

ZH – O senhor não ficou numa situação delicada com seus eleitores depois de afirmar que se lixa para a opinião pública?

Moraes – Lógico que tu não vais me dar esse gostinho, mas gostaria que viesses um dia caminhar comigo na minha região. Vais ficar chocada. Em cada cem pessoas que passam por mim, 80 me abraçam. Eu só dou abraço, só dou beijo, sou carinhoso, porque as pessoas sabem que não sou aquilo que tentaram vender. Quanto mais bate, acaba crescendo mais. Tu vais ver o resultado na urna. Vou fazer mais votos, vou me eleger.

ZERO HORA
Nuvem Esperança

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