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 | 28/04/2010 03h02min

STF decide nesta quarta-feira se Anistia valerá para torturadores

Corte pode julgar hoje se a tortura foi perdoada ou ainda pode ser punida como crime comum

Trinta anos depois de criada para pacificar um Brasil que se preparava para deixar a ditadura, a Lei da Anistia enfrenta em 2010 o ápice do movimento que questiona a extensão do seu perdão. O que move o debate entre juristas, políticos, militares e defensores dos direitos humanos é saber se os casos de tortura ocorridos durante o regime militar (1964-1985) seguem sob o manto protetor da norma ou se podem ser punidos como crimes comuns.

A resposta pode ser dada hoje pelo Supremo Tribunal Federal (STF). A Corte vai julgar uma ação da OAB sobre o tema. Para a entidade, a lei anistiou os crimes políticos, sem impedir a punição dos torturadores. Apesar da expectativa dos defensores da revisão, os 11 ministros devem manter o perdão. Ainda que a Corte decida adiar o julgamento, a Anistia vai seguir dividindo opiniões.

– O STF permitirá que sejam instaurados processos contra os torturadores, para que eles possam responder a ações penais. Não se trata de vingança, mas de resgate da história – afirma o presidente nacional da OAB, Ophir Cavalcante.

Já o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, encaminhou ao STF parecer contra a mudança. Para ele, a Anistia foi resultado do entendimento de diversos setores da sociedade.

A Anistia divide o governo Lula. No final do ano passado, a criação da Comissão da Verdade – que não prevê punições, mas o esclarecimento dos crimes – gerou uma crise entre ministros. Para representantes dos militares, rever a Anistia seria abrir uma caça às bruxas de um lado apenas.

– Se mudar alguma coisa na lei é o fim da pacificação nacional. Vão nos colocar no banco dos réus quando os militantes de esquerda é que deveriam estar lá. Todo mundo diz que foi torturado. E os sequestros e assaltos desta turma? Não contam? – diz o deputado federal Jair Bolsonaro (PP-RJ).

Do lado dos familiares, o objetivo é ter acesso a documentos do período. Ao se tornarem comuns, os crimes tornam-se públicos. A maioria das famílias não tem sequer atestado de óbito de seus mortos.

– Só saberemos a verdade completa com a abertura dos arquivos. Espero que o STF não manche sua história impedindo o Brasil de conhecer a sua – diz Suzana Lisboa, da comissão nacional de familiares, cujo marido, o gaúcho Luiz Eurico Lisboa, desapareceu em 1972, na capital paulista.

Abaixo, leia as opiniões de um jurista e de um político gaúchos.

"A anistia é esquecimento", Paulo Brossard, jurista e ministro aposentado do STF

“A Anistia, tal como foi concebida, é irreversível. Todos os delitos que foram anistiados, por força da lei, são apagados. É um princípio universal. Não é que se perdoe. Se apaga. É como se nunca tivessem existido.

A anistia não é uma ato de justiça, nem de reparação. É uma medida de caráter político, no sentido mais amplo e mais rico da palavra. A lei apaga, por considerações que não são de ordem de justiça, mas são de ordem de conveniência, de utilidade. A Anistia é para pôr fim, para esquecer.

Mas o legislador pode errar? Pode, todo mundo erra. Errou? Acho que não errou. O fato é que, uma vez concedida a anistia, ela não pode voltar atrás. Trinta anos depois, dar outra interpretação? Acho um contrassenso. A anistia foi feita para encerrar um capítulo. Um capítulo ominoso, é verdade.

O passado não se apaga. Mas reabrir processos a esta altura, politicamente, inclusive, é uma insensatez. O aspecto jurídico é um e o político, outro. Há certas coisas que são irreparáveis. Há certas injustiças históricas que são irreparáveis. Mas anistia não é justiça, é concórdia, é esquecimento. Não condena e não absolve ninguém. Apaga. Esquece.”

"Não podemos esquecer", Pedro Simon, senador pelo PMDB e ex-governador do Estado

“Todos os países da América Latina, a Argentina, o Chile, o Uruguai, já fizeram ou estão fazendo o julgamento criminal daqueles homens que se excederam durante as ditaduras militares, torturando e matando. Eles estão acertando suas contas com o passado.

Só o Brasil, não. O Brasil ainda evita punir ou sequer apontar seus torturadores. Só que não podemos ficar sem uma resposta. Não podemos esquecer a História. O Brasil e os brasileiros têm direito de saber a verdade, de saber como as coisas realmente aconteceram naquele período. Têm o direito de julgar aqueles crimes, que são crimes contra a humanidade, imprescritíveis, conforme tratados internacionais assinados pelo Brasil. Têm o direito de esclarecer e analisar tudo o que aconteceu, de lavar as feridas.

Os culpados devem vir a público, reconhecer seus crimes e pedir desculpas por eles. Depois, podem até ser perdoados, porque não se trata de uma questão de revanchismo, de vingança ou só botar alguém na cadeia. Se trata do direito e da obrigação moral e ética de um país de conhecer o seu passado.”

Entenda a polêmica
O QUE PODE OCORRER HOJE
- O STF julgará a ação da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) que contesta o primeiro artigo da Lei da Anistia.
O QUE É QUESTIONADO
- No primeiro artigo da Lei 6.638, de 1979, são considerados “conexos” e igualmente perdoados os crimes “de qualquer natureza” relacionados aos crimes políticos ou praticados com essa motivação política no período de 2 de setembro de 1961 a 15 de agosto de 1979. A tortura é reconhecida hoje como um crime conexo.
O QUE DEFENDE A OAB
- A entidade defende que a lei perdoou apenas os crimes políticos, sem impedir a punição dos torturadores. O advogado Ricardo Breier, coordenador da comissão de direitos humanos da OAB-RS, explica que a tortura não pode ser considerada um crime conexo ao crime político. Segundo ele, o conexo é um delito praticado com o objetivo de realizar outro crime ou ocultá-lo.
COMO FICARIA
- A prática de tortura, o desaparecimento forçado e outros crimes cometidos nos porões do regime deixariam de ser ideológicos e passariam a ser comuns, saindo da proteção da Lei da Anistia. Assim, abriria-se caminho legal para processar e punir torturadores.

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