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Crack nem pensar  | 27/05/2009 15h15min

Recuperação: muitos abandonam o tratamento ainda no início

"O crack ultrapassa o limite do desafio, tanto para o dependente quanto para quem trata"

Nádia de Toni  |  nadia.detoni@pioneiro.com

Após sacrifícios em saúde e em dinheiro, muitas famílias de usuários de crack e, mais raramente, o próprio viciado, desejam se livrar da ruína e recorrem a clínicas de recuperação em dependência química. O caminho é sempre complicado. As vagas para tratamento, mesmo em instituições pagas, são disputadíssimas e quase sempre há fila de espera. Mais: mesmo que o usuário fique um ano afastado das ruas, não voltará com a garantia de estar livre do vício. Tudo dependerá de autodeterminação. As estatísticas não são animadoras: 90% recaem no crack.

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Uma das maiores sensações provocadas pelo crack é a vontade incontrolável de fumar mais uma pedra. Como age na parte mais delicada do cérebro, o sistema regulador de prazer e recompensa, a droga vicia rapidamente e a abstinência leva a crises que nem todos os usuários se dispõem a suportar. Numa visão otimista, apenas 10% dos que tratam a dependência química não recaem na pedra.

Profissionais que trabalham na recuperação de usuários de crack não encontram motivos para otimismo. As estratégias que funcionam com alcoólatras e dependentes de outras substâncias alcançam resultados baixíssimos com os viciados em pedra, que já representam 90% dos internados em Caxias. E não existe tratamento exclusivo para usuários dessa droga surgida duas décadas atrás.

– O crack ultrapassa o limite do desafio, tanto para o dependente quanto para quem trata. É difícil tocar a alma da pessoa, fazê-la acreditar na vida sem a droga – relata o psiquiatra Celso Luís Cattani, especialista em dependência química.

A fissura pela pedra é tão avassaladora que muitos abandonam o tratamento ainda no início. Somente entre janeiro e março deste ano, 248 usuários ingressaram em seis instituições especializadas da cidade. Destes, 87, ou 35%, desistiram.

– Temos que ter resistência à frustração, não podemos criar muita expectativa. Quando um dependente consegue se recuperar é uma vitória – declara a psicóloga Sheila Cornutti, que atua em duas casas de recuperação química.

Atualmente, 514 viciados estão em tratamento em clínicas, fazendas e no ambulatório de desintoxicação do Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (Caps) Reviver, que atende pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Para boa parte deles, esta não é a primeira tentativa de largar o vício.

– O crack é um pesadelo sem fim. É preciso viver em permanente vigilância, senão a droga vence e vêm as recaídas – assegura um ex-usuário, de 28 anos, que já recaiu quatro vezes.

Só o Caps atende 350 usuários ao mês. Desses, em média 60 chegam com a saúde tão debilitada que têm de ser encaminhados, via SUS, ao Centro Especializado de Dependência Química do Hospital Parque Belém (CDQuim), em Porto Alegre. O problema é que, por receber pacientes do Estado todo e ter uma estrutura deficiente, a fila é longa: de 15 dias a dois meses. Nessa espera, muitos dependentes desistem. Outros ganham mais tempo para se afundar na pedra.

– Não há rede de atendimento que suporte essa epidemia, a droga se proliferou demais, principalmente entre crianças e jovens– constata Marcos Abreu, coordenador do Conselho Tutelar Zona Norte de Caxias.

Nas fazendas e clínicas de recuperação da cidade, mesmo quando há vagas, o ingresso também não é imediato. O viciado passa por uma preparação, precisa estar convencido do tratamento. O problema é que, em geral, essa conscientização só ocorre quando ele chega ao fundo do poço.

– Enquanto o corpo suporta o crack, não passa pela cabeça abandonar a droga. A pessoa pode até prometer que vai se tratar, mas não vai. Quando a cabeça pensa, pensa em fumar – conta um ex-usuário de 33 anos.

A fazenda da Pastoral de Auxílio ao Toxicômano (Patna) Nova Aurora é uma das que mais tem demanda em Caxias. Hoje, 39 homens adultos e seis adolescentes estão aguardando na fila, número maior do que os 41 internados para tratamento que, se levado até o fim, dura nove meses. A fazenda do Centro Vita e a Casa de Passagem São Francisco, ligada à Patna, também estão lotadas.

– A procura por internação de usuários de crack aumentou 60% nos últimos dois anos, embora só 30% dos que iniciam concluem o tratamento – diz Gilmar Kuhn, administrador do Centro Vita.

Apesar da grande procura e de uma oferta estável de vagas, as entidades dizem que a estrutura da rede em Caxias não é o principal desafio quando o tema é crack. O principal desafio ainda é a resistência do viciado.

– A dificuldade de adesão dos usuários da droga ao tratamento é um problema maior do que o número de vagas. A cidade dispõe de uma rede completa e ainda pode contar com vagas por meio de convênios em instituições de cidades vizinhas, como Gramado – afirma Maria Virgínia Agustini, coordenadora da política de saúde mental da Secretaria Municipal da Saúde.

SÉRIE DO JORNAL PIONEIRO PUBLICADA EM ABRIL DE 2009

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