| 16/10/2010 21h10min
Uma torcedora carioca que acompanhava o treino da Cimed/Malwee, na última quinta-feira, no ginásio Capoeirão, em Florianópolis, depois de tirar uma foto com o ídolo Bruno disparou o elogio:
— Parabéns pelo título, transmita os parabéns ao sei pai, e saiba que você só tem um defeito: ser botafoguense.
Bruno levou a brincadeira na esportiva:
— Sofredor, né!
É, ele, o pai Bernardinho e todo o grupo da Seleção Brasileira sofreu muito na Itália para levantar o caneco de tricampeão mundial. "Inveja", na avaliação de uns; "palhaçada", na visão de outros, o fato é que o Brasil teve dificuldades acima do normal. Em quadra, o melhor jogador do Mundial (o ponta Murilo) jogando com dores musculares, um levantador doente (Marlon chegou à Itália com uma colite, uma inflamação no intestino) e o levantador que assumiu a vaga teve febre no meio do campeonato e torceu o pé na semifinal.
Fora de quadra, teve o episódio da multa ao levantador italiano que treinou com a Seleção, a "expulsão" de uma academia bem equipada, problemas com alimentação nos restaurantes. Isso sem contar na fórmula do campeonato, que favorecia a anfitriã. Uma situação que já é praxe, e que deveria ser coibida pela Federação Internacional de Vôlei (Fivb). Não é, e o resultado é isso, um festival de bizarrices que culminou em um jogo totalmente sem validade no meio do Mundial, entre Brasil e Bulgária. Ninguém jogou e o público elegeu os brasileiros como vilões da história. Muito porque o técnico Bernardinho, com Bruno febril e Marlon ainda sem condições, escalou o oposto Théo como levantador.
Um episódio que o ponta Giba considerou como uma "mancha" em sua carreira. Mas que serviu para unir o grupo em torno de um título que coroou uma década de hegemonia do Brasil no vôlei internacional. Os bastidores desta conquista você acompanha nesta entrevista que Bruno concedeu ao Diário Catarinense.
Diário Catarinense: O Mundial parece ter sido um campeonato extremamente desgastante, em todos os sentidos, não?
Bruno: E foi. Desde que nós fomos para a Alemanha, a nossa preparação foi muito forte fisicamente. Depois, chegar na competição e o Marlon ter os problemas que ele teve, eu ficar sozinho durante mais da metade da competição. E mentalmente a gente sabe que tem a pressão de um Mundial. A sabia o quanto a gente ia sofrer, pela pressão sempre do Brasil, time que tem que chegar, que tem que vencer sempre, é o que todo mundo aqui no Brasil espera da gente. Como nas Olimpíadas em 2008: ganhamos uma medalha de prata e muitos acharam que foi um fracasso. É difícil conviver com isso. Então, por todos os fatores, acho que foram os 25 dias mais complicados da minha carreira até agora.
DC: Imagino que tinha uma pressão ainda maior sobre os teus ombros, primeiro que havia perdido a titularidade e precisava mostrar que ainda podia ser o titular; e depois porque o outro levantador do time estava fora de combate.
Bruno: Após a Liga Mundial (foi titular na campanha do oitavo título brasileiro, em 2009), dos meus altos e baixos, tive um tempo para descansar um pouco, colocar a cabeça em ordem, e eu me preparei muito para o Mundial, fosse para estar no banco ajudando, fosse para entrar nas inversões, fosse para jogar, mesmo. Nos amistosos eu me preparei muito para isso, então, quando a gente chegou lá, eu estava pronto para o que precisasse. Esta minha preparação antes da competição foi muito importante. E os jogadores sempre me deram muita força, isto também ajuda muito. Quando apareceu este problema, foi só estar concentrado e aproveitar para ajudar o Brasil naquele momento.
DC: E quando sofreu aquela lesão no tornozelo, na semifinal contra a Itália, o que passou pela sua cabeça?
Bruno: Graças a Deus que as coisas acabaram se acertando e o Marlon, naquele momento, estava apto para jogar, pelo menos um pouco. Já tinha sido um set e meio que ele tinha jogado, depois jogou mais dois sets e meio naquele jogo, e quando acabou o jogo ele estava bem cansado, ele falou para mim: "Minhas pernas estão tremendo muito". Aquele momento foi complicado, porque eu imaginei: poxa, e agora? Joguei o campeonato inteiro e na hora da final vou ficar de fora? Eu sabia da força que eu teria que ter, que o Marlon teria que ter e a gente conversou bastante, dissemos um para o outro: "estamos juntos, se só der para jogar meio jogo para aguentar, vamos jogar meio jogo cada um". Isso foi o principal.
DC: Ou seja, mais um componente para o desgaste que foi este Mundial, com jogadores machucados, pressão externa, situações que vocês passaram lá na Itália e que poderiam ter prejudicado o desempenho da Seleção...
Bruno: Hoje a gente comenta sobre estas coisa, mas naquele momento a gente se blindou muito. A gente só pensava no grande objetivo, que era chegar à final, vencer. Essas coisas que aconteceram em certos momentos, como o lance da academia, eu procurava nem saber, me abstraía disso, me preocupava só com o jogo. Então foram mais de 20 dias em que eu fiquei com um foco tão grande, que quando eu voltei para o Brasil, fiquei uns dois dias meio perdido, porque você fica em um foco muito grande. Isso foi o principal, porque não perdemos o foco nem com estas pequenas coisas que aconteceram lá.
DC: Estas coisas aconteceram com mais frequência depois do jogo contra a Bulgária? Aquele derrota trouxe mais pressão para vocês?
Bruno: Sim, por tudo o que foi falado, a gente sabia que a pressão tinha aumentado ainda mais, principalmente aqui no Brasil. Só que a gente tinha a nossa cabeça voltada para o próximo jogo, que é sempre o mais importante. Naquele momento a gente não podia forçar, não podia arriscar nada, porque 36 horas depois a gente viajaria para jogar novamente, e menos de 48 horas depois a gente teria um jogo de vida ou morte. E naquela partida contra a Bulgária a gente não teve foco mesmo, foi uma partida em que as duas equipes não tinham o foco de fazer uma batalha, de jogar; as duas estavam pensando no próximo jogo. O que aconteceu mexeu com a gente, porque fomos mal vistos, a torcida vaiou, e foi muito chato passar por isso. A gente queria jogar, mas pelo regulamento não fazia sentido, porque a Polônia não tinha mais chances. Se tivesse, eu entraria no sacrifício, porque eu estava doente naquele dia. Se fosse a final do Mundial, eu jogaria daquele jeito, mas naquele momento não tinha por que fazer aquele sacrifício. O Murilo, contra Cuba, no quarto set, sentiu cãibras (ainda na primeira fase). Daria para continuar? Daria, mas ele não precisava arriscar nada. Isso foi o principal. A gente ouviu muita coisa, que a gente tinha entregue o jogo, mas não foi isso. É que a gente não teve o foco mesmo, sabe. Foi uma coisa tipo: "vamos jogar, sem forçar". Mas em nenhum momento teve algo do tipo: "ah, vou errar agora, vou fazer alguma coisa para perder". A gente tinha que pensar no jogo seguinte, que ali sim, valeria, e foi um jogo duríssimo
contra a República Tcheca.
DC: Vocês imaginavam que repercutiria tão mal aquela atitude?
Bruno: A gente nem pensou nisso naquele momento. A gente se blindou muito. Pensamos só no que a gente tinha que fazer para estar bem nos próximos dias, na outra semana, que seria a decisiva para o campeonato. Porque a primeira semana não valeu para nada. A outra é que foi a decisiva. Então a gente se blindou: "olha, o que falarem, a gente está tranquilo, porque temos que estar bem para aquela semana, que a gente viu como a semana da nossa vida". E a gente reagiu bem quanto a isso. Não tem como negar que daquele momento em diante a gente cresceu muito, porque sabíamos que era ali que a gente tinha que jogar.
DC: Ficaram duas lições deste Mundial. A primeira é que é necessário encontrar uma fórmula adequada, e que seja fixa, sem mudar a cada edição...
Bruno: Exatamente. Eu acho assim: você não pode fazer com que um público de seis mil pessoas vá ao ginásio assistir a uma partida entre duas equipes que não estão preocupadas com o jogo, que não fazem uma batalha, um espetáculo; que estão jogando já pensando na próxima partida. Acho que isso não é bacana para as pessoas que estavam lá. Então a Fivb tem que pensar em, de alguma maneira, pensar nisso, para que estes jogos tenham sempre um porquê de você lutar, de você tentar. De repente um Mundial maior, para você não ter tantas viagens desgastantes, não ter que jogar 36 horas depois de uma viagem. Você tem que pensar nisso, porque aí o público, que é o que sofre mais com isso, não tenha nenhum tipo de dano.
DC: A outra lição é a de que não se pode arriscar em uma posição como a do levantador. O Marlon deveria ter sido cortado antes, não?
Bruno: Foi assim. O Marlon jogou o primeiro amistoso contra a Alemanha, eu joguei o segundo e no terceiro ele não tinha condições de jogar.
DC: Ali ainda podia ser feita a troca.
Bruno: Podia.
DC: Então se correu o risco.
Bruno: É que naquela semana a gente ainda não sabia a gravidade da lesão. Ele melhorou, depois piorou, depois melhorou. Chegamos em Verona, na Itália, dois dias antes da competição, e ele treinou. Só que depois do treino ele ficou muito mal. Ele conseguia melhorar, mas depois do treino ele ficava debilitado e ficava dois dias de cama. Neste momento, houve uma tentativa de troca.
DC: Isso antes do início do torneio?
Bruno: Sim, antes da gente jogar contra a Tunísia. Acho que 24 horas antes da estreia. De repente teria passado o prazo, mas eles poderiam ter aberto uma exceção, mas não, eles não abriram de maneira alguma, usaram o regulamento, tipo, "tinha que ter sido até ontem a tal hora e vocês chegaram agora de manhã, então não pode mais trocar". Eles viram o problema, o Marlon fez vários exames lá, e existiu até a preocupação de ele voltar ao Brasil naquele estado, se ele teria condição de fazer um voo tão longo, sozinho. Graças a Deus o Murilo conhecia uns médicos em Modena, onde ele fez todos os exames, e o médico falou que ele poderia se tratar lá, e naquela semana ele conseguiu fazer o tratamento e melhorar para jogar na semana seguinte.
DC: E por tudo isso, por todas estas dificuldades, o gosto do tricampeonato ficou ainda mais especial?
Bruno: O título é sempre um sabor especial, mas o que mais importa, pelo menos pelo que eu penso, é que a gente vive uma pressão diária e as pessoas esperam muito da gente, porque o Brasil já venceu tudo no vôlei. Eu acho que o principal é que a gente se sacrifica sempre pela Seleção. Desde o acordar cedo todos os dias para treinar lá em Saquarema (cidade no RJ onde a CBV mantém um centro de treinamento), ficar tanto tempo longe de casa... O sacrifício vale a pena. O povo se orgulhar, você fazer o seu máximo, isso é o que mais vale a pena. Em função de ter tanta coisa contra, pode até ter um sabor a mais, mas o que vale mesmo é toda a sua luta diária que no final você vê que valeu e pena, porque não tem nada melhor do que ver a bandeira do Brasil no pódio.
Grupo RBS Dúvidas Frequentes | Fale Conosco | Anuncie | Trabalhe no Grupo RBS - © 2011 clicRBS.com.br Todos os direitos reservados.