| 28/08/2010 15h34min
Esqueça o Celso Roth que você viu, ouviu ou leu a respeito. Nesta entrevista de 50 minutos, o técnico campeão da Libertadores revela que "viaja" sentado nas poltronas do Teatro São Pedro, deleitando-se com a nobreza da música erudita. Que sente prazer desmedido em observar um espetáculo de dança. Confessa: é medonhamente tímido. Fala de política. Não de política partidária, mas dos tempos de rebeldia em Caxias, quando fazia greve e reivindicava aumento salarial para os professores. Esta semana a TV Fifa o entrevistou para um programa que será distribuído para 112 países. Mas a entrevista a seguir lança luzes sobre outros aspectos da vida do homem que levou o Inter ao bi da América, para além do 4-2-3-1 e da capacidade de equilibrar times. Confira:
Zero Hora - Você já concedeu tantas entrevistas assim?
Celso Roth - Quando o Grêmio foi eliminado no meio do Gauchão em 2008. No Atlético-MG, quando éramos líderes do Brasileirão. Não tem nada fora da normalidade. O enfoque que é diferente.
ZH - Agora, as pessoas o tratam de outro jeito?
Roth - Como vou responder... Depois de um título assim, creio que sim.
ZH - Você foi criticado por falhar em decisões e chamado de derrotado. O que você passou até tornar-se campeão?
Roth - Isso é produto do meio. Se tu leres algumas revistas importantes, como Time e The Economist, verás que o mundo vive um problema sério de emprego. Na Europa, há 50 anos não tem emprego. Nos EUA, começou agora. Qual é o perfil procurado neste mundo capitalista? É o do cara que deixou o emprego para tocar algo por conta própria, quebrou, tentou de novo, se deu mal, persistiu, quebrou de novo, aí inventou uma maneira criativa de se reposicionar. Este sujeito, lá pelos seus 40 e poucos anos, terá um acúmulo de experiências que, segundo os pesquisadores, é o ideal para fazer este ou aquele departamento produzir mais. É o homem preparado para encarar qualquer tipo de adversidade. Isto é ser produto do meio. Eu sou um produto do meio.
ZH - Você sempre teve esse conceito ou é algo adquirido com o tempo?
Roth - Óbvio que tinha esta percepção! Estudei, me formei. Tenho especialização na minha área.
ZH - Mas as "porradas" do futebol vieram depois.
Roth - As do futebol, sim. Mas e as da vida? Ou tu achas que as coisas andam sozinhas? Mas isto eu não vou abrir para ti porque entra no lado particular e pessoal, e isso não faço. Mas eu já tinha passado por muita coisas.
ZH - Tinha?
Roth - Por exemplo: fui um dos caras de levante por aumento salarial contra o governo. Fui professor estadual por 10 anos. Fiz parte de vários grupos que reivindicavam direitos da categoria junto aos órgãos lá de Caxias, com campanha e tudo. A partir disso vem toda uma consciência. O futebol é só uma situação da minha vida, embora seja a mais importante.
ZH - No ano passado, no Grêmio, a crítica na mídia foi pesada. Isto não repercute na família?
Roth - Aquele momento foi negativo, então foi muito pior. Mas nunca tive problemas com filhos ou família. As coisas vão até um determinado patamar. As pessoas que leem são de classes divididas. Sempre tive bom relacionamento com a mídia em Porto Alegre, em São Paulo, no Rio, em Minas. Ao contrário do que vocês pensam, tenho a pretensão de ser um sujeito equilibrado, com padrão de procedimento. Isso antes da Libertadores. Não há mudança nisso.
ZH - Mas tem como não mudar depois de ganhar um título desta envergadura?
Roth - A conquista é efêmera. Dura duas horas. A derrota, não. Dura mais.
ZH - Então este título não mudará a sua vida?
Roth - Vai mudar desde que eu continue trabalhando no mesmo patamar que sempre trabalhei. Aí vou galgar conquistas que ainda não tenho. Esta situação é clara para mim. Pode não ser para vocês, mas para mim é.
ZH - A Libertadores não tem dimensão maior?
Roth - A dimensão é pessoal. Por isso falo que treinador de Seleção tem que cumprir ao menos a metade destas condições: ter morado fora e conquistado um título regional, nacional, continental e mundial. Morei seis anos fora e ganhei regional e continental. Tem Mundial em dezembro e me falta o nacional. Ganhei a Libertadores? Está bem, estou numa galeria seleta, mas deu. Agora, é o futuro. Fui muito precoce. Tenho 52 anos, e com 39 era campeão gaúcho pelo Inter. Só que passei da precocidade para esta questão de não ganhar títulos de expressão. Estes pouco mais de 10 anos me deram calos mentais e físicos. Criei muros. Até para falar com vocês.
ZH - Estes calos o impedem de festejar mais, é isso?
Roth - No Atlético-MG fui contratado sem horizonte algum. Com as vitórias, o presidente passou a exigir o título. Eu disse a ele antes: não temos time para ir tão longe. Aí fui demitido por não chegar. No Vasco, disse ao Eurico Miranda: não temos time para uma competição, que dirá para duas. Mas ele quis jogar as duas para ganhar. Resultado? O Vasco não ganhou a Sul-Americana e depois ainda caiu. O treinador fala, mas as pessoas não ouvem. Isto me torna um gelo? Não, mas a vida me ensinou a ter a pretensão de afirmar que a vitória é efêmera.
ZH - Agora há um muro entre nós?
Roth - Não, não. Sou espontâneo no que eu falo, mas tenho minhas reservas.
ZH - Você é fechado?
Roth - Não se trata disso. O diferencial que vocês custam a entender é: eu sempre acreditei no meu trabalho. Quando perdi os Gre-Nais no Grêmio fui cobrado, mas quando estava na frente ninguém falou. Estas coisas negativas que ouvi durante estes 10 anos foram criando este muro. Mas era a opinião da crítica. Eu nunca duvidei e persisti. Contra o Atlético-GO, sem os titulares, voltei ao patamar que enfrentei no Atlético-MG ou no Vasco. Nestas condições, o time precisa marcar muito. E correr muito. Até um certo ponto, vai. Depois, quando precisa do talento para o salto de qualidade, a culpa é do treinador. Aí eu viro o que era antes: o cavalo paraguaio que não chega, o cara do tiro curto.
ZH - Você fala sobre a família?
Roth - Não gosto. De pessoa pública chega eu. Foto na minha casa, nem pensar.
ZH - Mas você ficará ainda mais público e conhecido. O programa da Fifa vai passar em 112 países. As pessoas vão querer saber do teu lado pessoal.
Roth - Compreendo isto, sim. E minha família também. Graças a Deus minha família sabe bem o patamar em que estamos, assim como os cuidados e as situações destas questões de exposição pública. As pessoas acham que sou casmurro. Mas não é isso: é que sou muito tímido. Tenho oratória e está tudo bem nos assuntos que domino, como futebol, vestiário, o contato com a imprensa. Mas sou um cara tímido. Ninguém entende isso. Acham que sou pretensioso, metido. Mas se estiver num shopping e vierem falar comigo, sinto timidez. Não quero chamar a atenção. O que hoje é impossível. Adoro ir ao Teatro São Pedro ver a orquestra tocar. Aquilo ali é uma maravilha. As pessoas me veem, mas me deixam ali no meu canto. Não é que não goste das pessoas, entende? É timidez pura.
ZH - Você gosta de música erudita?
Roth - Se me perguntarem quem é o compositor da peça tal, se é Chopin ou Wagner, estou morto. Não sei. O que eu gosto na música é a música. É sentar ali e ouvir. Ouvir os instrumentos entrando na hora correta. No tom certo. A disciplina que a orquestra precisa ter na leitura da pauta. Acho isso fantástico. E ainda tem que interpretar. A peça tem uma história: de amor, de fuga, de dor. O autor colocou tudo isso na música. É algo acima da normalidade. Genial. Tem que estar viajando para compor. Eu viajo na música erudita.
ZH - Qual a última vez que você conseguiu curtir música no teatro?
Roth - Yamandu Costa. Ele escreveu três peças para a orquestra sinfônica de POA. E tocou junto. Além de tocar daquele jeito incrível, imaginou de alguma forma quando e como entram os violinos, os violoncelos, os trompetes. É fantástico. Gosto de comparar com o futebol. Professor de educação física estuda rítmica. Dançar também me apaixona. Vai colocar movimento na música para ver: tem que ouvir com cuidado, ter harmonia, os gestos precisam entrar no momento exato. É complexo.
ZH - Um time funciona como uma orquestra? É mais difícil ser maestro ou técnico?
Roth - Em certo sentido, funciona. Acho que o futebol é mais difícil. Na orquestra não há competição. Vai depender da leitura da pauta, da interpretação. No futebol tem um adversário querendo te matar. E 30 mil pessoas pressionando. Os dois são difíceis, é óbvio.
ZH - Você é paizão ou apenas disciplinador? Como Taison foi recuperado?
Roth - Não sei o que significa ser paizão. O Taison precisava de carinho, mas o fundamental é ser verdadeiro. Taison tem um potencial enorme e vai crescer ainda mais, pois tem velocidade e explosão.
ZH - Em que Roth mudou de 1997 para cá?
Roth - Na convicção do trabalho, nada. Houve um problema no primeiro semestre de 1997. Vocês (imprensa) me desrespeitaram e eu confrontei. Mas foi só. Nunca mais aconteceu. Em São Paulo, Rio, Bahia, Minas o relacionamento foi bom. Em alguns momentos falavam questões negativas, mas que saíam daqui. É a primeira vez que digo isso.
ZH - Você ficou magoado?
Roth - De minha parte, não. Tanto que nunca referi isso antes. Passou. E estou aqui. Aprendi que a imprensa é o meio de atingir o torcedor. Vocês precisam de respostas.
ZH - Você falou em sistema capitalista, classes, greve. São resquícios dos tempos de reivindicação salarial?
Roth - São do tempo de faculdade, dos meus tempos de rebeldia. Nós somos um ser político. Nunca deixaremos de sê-lo. Às vezes pode ficar um pouquinho apagado. Temos um problema classista muito sério. Colegas meus que atingiram esta condição de conquistas nunca se interessaram por isso e quando falaram o fizeram superficialmente, para ter espaço na mídia. O técnico brasileiro é um dos melhores do mundo. Mas não se une como classe. É cultural. Desconfia dele mesmo por não ter argumento, conteúdo, segurança. Me incluo neste balaio. É um problema sério. Os argentinos são muito mais unidos. Por isso saem do seu país com mais facilidade. Os estrangeiros sabem que nós é que preparamos a mão de obra para eles. Deveríamos ter consciência disso.
ZH - Você é um homem de esquerda?
Roth - Não me considero de esquerda, mas realista. Tenho a pretensão de ter uma visão realista do poder deste país, dos desvios de verbas que poderiam melhorar o nosso povo. O Brasil é muito injusto ainda.
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