| 06/11/2009 07h48min
Uma ação aparentemente inofensiva do marketing do Inter está gerando reações controversas. A adoção de um macaco como mascote do Inter Social, iniciativa realizada pelo clube com crianças carentes, é vista por muitos colorados como um ato inadmissível. Para outros, é uma inovação bem-vinda.
A princípio, muitos torcedores se revoltaram com a possibilidade de que o clube estivesse começando a adotar um novo símbolo oficial, em substituição ao saci, tradicional representante do Inter. A possibilidade foi negada enfaticamente pelo diretor de marketing Jorge Avancini. Ele garante que o macaco foi escolhido pelas próprias crianças beneficiadas pelo projeto a partir de uma enquete e ficará restrito a esta ação. O dirigente considera que o animal é uma figura mais próxima ao dia a dia das crianças, e até divulgou uma nota sobre o assunto. O clube publicou em seu site uma charge em que
o saci aparece ao
lado do macaco, promovendo a enquete lançada para escolher o nome do novo personagem, símbolo do Inter Social.
Mesmo assim, muitos torcedores não se dão por satisfeitos. Para eles, adotar o macaco em qualquer iniciativa oficial do clube significa a legitimação do racismo que, segundo eles, originou o apelido. O animal começou a ser usado pela torcida gremista para se referir aos colorados como um xingamento. Orgulhosos de sua origem popular, os colorados adotaram o apelido de forma informal. No Gre-Nal dos 5 a 2, vencido pelo Inter no Olímpico em 1997, a torcida visitante gritou ironicamente: "Ah! Eu sou macaco!".
Torcedores famosos e especialista não veem problemas
A ala dos "defensores do macaco" tem representantes de peso. A Camisa 12,
mais antiga torcida organizada do Inter, com 40 anos de fundação, tem até um macaco no
símbolo, como se vê no site da torcida. O presidente da Camisa 12, Gilberto Camargo da Silva, gosta da ideia:
— Na minha opinião, o clube demorou a fazer isso. O macaco é nosso símbolo e para nós está tranquilo. Usamos ele há uns 10 anos.
Rafael Malenotti, vocalista da banda Acústicos e Valvulados e colorado fanático, aproveita para dar uma alfinetada nos rivais:
— Tem muita gente que aproveita essa situação para dar uma conotação racista. Mas pelo fato de eles serem a "Alma Castelhana", isso se entende, já que os argentinos chamam os brasileiros de "macaquitos". Por mim, não vejo problema. Assim como existem outros animais vinculados à imagem deles, não tem problema nenhum assumir que a coloradagem é a macacada.
Outro torcedor ilustre, o escritor Luiz Augusto Fischer,
vai mais fundo na questão:
— Acho legal por um motivo histórico. É muito comum
um grupo oprimido assumir as pechas que são jogadas contra si como fator de orgulho. O melhor exemplo disso no Ocidente é a cruz, que representa o local onde o maior líder dos cristãos foi morto, mas se tornou símbolo de vitória. Durante a Segunda Guerra Mundial, a Estrela de Davi era um símbolo terrível, porque designava as pessoas perseguidas, mas depois foi restaurado e passou a representar o orgulho de uma nação.
Estudioso da teoria dos símbolos, o professor de Comunicação da PUCRS Jacques Wainberg não vê problemas, dependendo da forma como o personagem será construído.
— No passado, este termo era pejorativo, usado para designar de forma hostil o negro, o pobre. Hoje, não tenho certeza se as pessoas fazem esta relação entre o macaco e o marginal social. Uma criança, por exemplo, vai ter uma enorme simpatia pelo animal. Tudo depende de como se manipula o símbolo. A princípio, não vejo nada de errado. Poderá pegar bem se o macaco for pequeno, simpático,
bem-humorado, brincalhão — opina.
Internautas ficam na bronca
O depoimento de Wainberg coincide com a ideia de Avancini, segundo qual o macaco do Inter Social ganhará a companhia de outros personagens e terá familiares e amigos. Tudo para aproximar o conceito das crianças, que são o público-alvo do projeto, mas também pode servir para aliviar o descontentamento da parte da torcida que está na bronca.
Quando o blog Clube da Bolinha, do clicEsportes, divulgou a enquete para escolher o nome do mascote, o campo de comentários sediou uma discussão ferrenha, assim como acontece nas comunidades coloradas do Orkut e em outros fóruns de torcedores
pela internet. O Alexandre, de Porto Alegre, por exemplo, questionou: "Com isso agora a
torcida do Grêmio poderá cantar 'olha a festa macaco' sem ser chamada de racista?".
Um internauta de Santa Maria disse: "Que mau gosto desse 'artista'. Será que ele não sabe a origem racial da pecha de macacos que os gremistas racistas colocaram nos colorados? O símbolo do Inter não é um macaco, é um saci. Eu não me aceito como macaco como querem os gremistas e muito me admiro a direção assumir essa condição". Ele não quis se identificar, e escreveu no lugar do nome apenas a mensagem "Fora com este personagem".
Por outro lado, a Débora Monteiro, de Viamão, pondera: "E desde quando um macaco representa racismo no Brasil, gente? Poxa, abram a cabeça, o macaco é um dos maiores animais na fauna brasileira, gente, acho que o preconceito está no comentário querendo um mascote de olhos azuis e loiro, isso sim é preconceito, porque não deixar um macaco como mascote?". O Carlos, de Porto Alegre, concorda: "Ótima idéia a de por um macaquinho como mascote, assim acaba de vez com
essa palhaçada de
'discriminação'. Não há tom pejorativo em chamar torcedor de 'macaco', já que ele é um dos símbolos do Inter faz tempo, e só há maldade na cabeça de alguns! Há torcedores colorados que se vestem de macaco, então eles são preconceituosos com si próprios? Tenho certeza que não."
O macaco mais feliz
O macaco em questão é famoso no Beira-Rio. Sérgio Antônio da Silva Vanacor, 42 anos, encarna o personagem há cerca de 20, segundo ele. Natural de Porto Xavier, guardador de carros na rodoviária de Porto Alegre desde os 12 anos, Sérgio se orgulha da fantasia e do sucesso que faz com as crianças. Nunca vai ao Beira-Rio sem estar fantasiado dos pés à cabeça, mesmo que o calor em alguns jogos seja insuportável.
Obviamente, Sérgio é favorável à adoção do macaco. Segundo ele, o bicho deveria ser até o mascote do clube,
mantendo o saci como símbolo.
— Não tem nada a ver.
Senão eu não faria o macaco há 20 anos! Tem que ter orgulho. Macaco campeão do mundo não é para qualquer um. Vamos parar com esse negócio de racismo — pede.
De tanto comparecer aos jogos fantasiado de macaco dos pés à cabeça, ele acabou ganhando de presente do clube a condição de associado. Mas reclama de ter que pagar as mensalidades do próprio bolso. Conta que é chamado para fazer viagens ao Interior, visitando consulados do Inter. E garante:
— Sou o macaco mais feliz que existe.
* Colaborou Rodrigo Berbigier
CLICESPORTES
Sérgio Antônio Vanacor, guardador de carros na rodoviária, se fantasia de macaco no Beira-Rio há 20 anos
Foto:
Amauri Knevitz Jr.
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