| 05/09/2009 03h09min
Quando decidiu enfrentar o prestígio do River Plate, comprar uma briga com dirigentes e torcedores de um dos clubes mais importantes do país e passar o jogo deste sábado contra o Brasil do Monumental de Nuñez, o maior estádio argentino, para o Gigante do Arroyito e seus 38 mil lugares, Diego Maradona não estava pensando apenas nos aspectos técnicos. Para Maradona, um homem habituado a declarações de empolgado patriotismo e de duras críticas aos americanos, Rosário tem um simbolismo especial que vai bem além dos lances de campo. Eles são importantes, podem mudar a história de um jogo, como ocorreu no empate em 0 a 0 na Copa do Mundo de 1978, no mesmo Arroyito de hoje, mas não foram a única motivação de Maradona.
Em vídeo, David Coimbra e os ilustradores Fraga e Gonza debatem a rivalidade entre os países e mostram como foram feitas as caricaturas da reportagem:
Uma das respostas está no alto de seu braço direito, quase no ombro. Ali está a tatuagem do rosto de um personagem sobre o qual Maradona costuma falar com orgulho, em conversas com amigos, nas entrevistas coletivas ou simplesmente como afronta para quem pensa diferente dele. Ela mostra o rosto de Ernesto Che Guevara, um dos líderes da revolução cubana. Guevara nasceu na Rosário do jogo de hoje.
Em audioslide, relembre a confusa partida de 1978 entre Brasil e Argentina em Rosário:
Estátua de Che está no centro da
cidade
Quem circula pelo Parque Hipólito Irigoyen, um dos principais da cidade, verá bem no centro uma estátua de bronze, de quatro metros de altura, de Che, feita pelo artista argentino Andres Zerneri Español em Buenos Aires e trazida até Rosário em 2008. A obra foi construída depois de uma campanha mundial de doações de chaves, maçanetas e outros objetos de bronze, em todo o mundo. Zerneri fundiu 75 mil chaves, conseguiu 3 mil quilos de bronze e esculpiu a figura do guerrilheiro que hoje é um dos principais monumentos da cidade. Maradona não poderia ficar indiferente.
O astro Messi vai jogar em sua casa
Foi em Rosário, cidade da província de Santa Fé, que o General Belgrano lançou a bandeira argentina em 20 de junho de 1816, pouco antes da Batalha do Paraná.
Luiz Zini Pires e Diogo Olivier conversam com Batista, ex-volante da Seleção:
Rosário é também a cidade de Messi, hoje o principal destaque da seleção argentina, favorito destacado para receber no fim deste ano o troféu de melhor jogador do mundo. Messi nunca disputou uma partida profissional na cidade. Saiu ainda pequeno, chegou adolescente a Barcelona, fez um tratamento para crescer e hoje estará diante de seu público mostrando por que a cidade pode se orgulhar dele.
Não é só isso. Maradona também pensa em seus devotos. São aqueles que traduzem seu nome com a sigla D10S, usando a pronúncia do 10 em espanhol para ficar semelhante a Deus. É um dos símbolos das bandeiras e oferendas da Igreja Maradoniana, criada em 2002 por um grupo de fanáticos pelo ex-jogador. O Pai Nosso deles é um pouco diferente. Quando se unem para orar, juntam as mãos em
silêncio respeitoso e começam a entoar a prece, eles
não falam em nome do Pai, mas em nome de Maradona, para eles uma espécie de Deus na terra. Natal para os integrantes da igreja é comemorado no dia 30 de outubro de cada ano, a data de aniversário de Diego Maradona. São fanáticos, devotados ao ídolo e nem se importam em ser encarados com desdém ou sarcasmos: desde que fundaram a Igreja Maradoniana, ganharam adeptos no país e passaram estabelecer uma rede de contatos. Levam a sério a devoção. Há até altares especiais. Pois bem, sabem onde é a sede da Igreja Maradoniana, aquela criada como uma forma de também deixar claro que Maradona é superior a Pelé por ser Deus? Na Rosário do jogo desta noite, pelas Eliminatórias.
– Cada um tem suas crenças, mas eu fico com as minhas – disse Felipe Melo na entrevista, evitando qualquer risco de bater forte demais.
Maradona gostaria de entrar em campo
Maradona sabe que todo esse ambiente pode ser valioso para uma seleção que precisa vencer – e
Rosário e seus simbolismos surgiram como uma bênção.
Desde que olhou a tabela de classificação e viu sua seleção colocada em quarto lugar, a um passo da repescagem e com três duros rivais pela frente (Brasil, Paraguai e Uruguai, esses dois fora), Maradona fez seu lance. Encarou as queixas dos torcedores do River, as acusações de que estava armando uma guerra e decidiu trazer Rosário e seus pouco mais de 1 milhão de habitantes para seu lado.
– Penso tanto neste jogo que dá vontade de entrar em campo – disse Maradona esta semana, durante os treinos em Ezeiza.
– Precisamos dar o coração – completou seu genro, pai de seu neto Benjamin, o atacante Sergio Aguero.
Maradona e seus jogadores sabem que Rosário poderá ser um aliado fundamental – e, principalmente, o Gigante de Arroyito e seus 38 mil lugares. Nada comparável aos quase 80 mil do Monumental, mas no ambiente de Rosário não há neutralidade. Foi assim em 1978. O Brasil enfrentou pressão, os gritos intermináveis de uma torcida que fica bem próxima de
campo, resistiu o que pôde à marcação
dos argentinos de César Luiz Menotti, e ficaram no empate em 0 a 0. Vitória poderia encaminhar para o título – ou ao menos não deixar o Brasil na dependência da frágil seleção peruana, que acabaria goleada por 6 a 0 pelos argentinos no mesmo ambiente do Arroyito.
Os brasileiros sabem disso. Desde os primeiros sinais de que os argentinos queriam um ambiente complicado, de pressão, eles falam com extremo cuidado sobre os adversários. Foi assim na entrevista coletiva de ontem. Os jogadores escalados pareciam ter sido instruídos a ficar em um limite seguro. Nada que parecesse provocação poderia ser dito. Houve até elogios entusiasmados a jogadores adversários. Júlio César chegou a falar que os argentinos têm razão em escolher “um alçapão” para tentar a vitória no jogo desta noite, antes de fazer um afago especial no ego argentino ao eleger Zanetti como um exemplo de profissional do futebol.
De sua concentração, Maradona deve ter sorrido ao ouvir as declarações dos
brasileiros. Ele sabe que a
cautela também pode ser entendida como um primeiro sinal de que o adversário sentiu, ao menos em parte, o golpe dado com a transferência para Rosário. A cidade de Che, Messi, da bandeira e dos seguidores da Igreja Maradoniana fez o adversário ficar na retranca – e este pode ser o primeiro golpe para quem pretende vencer uma luta complicada como poucas.
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