Como criou-se uma unanimidade midiática nacional de que a prioridade de todas as ações e soluções para o país é a educação da massa ignara, é oportuno que sejam estabelecidas algumas visões alternativas da questão.
Ao se analisarem as variedades das práticas culturais entre os diversos grupos sociais, a burguesia, as camadas médias e os trabalhadores de baixos salários, todos estão marcados pelas trajetórias socioeconômicas de cada um desses estratos populacionais. Ao se anunciar a prioridade da educação para quem suposta ou realmente não a possui, questiona-se se a educação das classes superiores é a que será ministrada às classes inferiores.
A educação, a cultura em geral, os estilos de vida são resultantes de imbricadas relações de força, poderosamente alicerçadas nas instituições criadoras e transmissoras do corpo ideológico da sociedade capitalista. E essas instituições são a família, a escola e os meios de comunicação. Mas, como acentua Pierre Bourdieu, numa sociedade injustamente hierarquizada como a nossa, não são todas as famílias que possuem a bagagem letrada e culta para se apropriar dos ensinamentos escolares e de interpretar criticamente as mensagens dos meios ou os meios das mensagens. Quem tem origem social superior certamente terá mais facilidades, pois já adquiriu em casa parte desses ensinamentos. Neste sentido, o sistema de ensino que trata igualmente a todos, o que só alguns possuem pela familiaridade com a cultura, não leva em consideração as diferenças básicas determinadas pelas desigualdades sociais e econômicas. Ainda para Bourdieu, o sistema escolar, em vez de oferecer o democrático acesso a um panorama cultural para todos, reforça as distinções e as tradições culturais de seu público e assim delimita a plena e diversificada riqueza cultural, surrupiando grande parte dela das famílias menos escolarizadas, pois cobra delas o que elas não têm, isto é, um conhecimento cultural anterior, necessário para realizar o processo de transmissão de uma cultura culta.
E isto é o que Bourdieu chama de ?violência simbólica?, a qual impõe a legitimidade de uma única forma de cultura, desprezando e não transmitindo os hábitos culturais dos segmentos populares. Resulta que o sistema de ensino funciona como estrutura de aquisição e distribuição do capital cultural, sacramentando e perpetuando o sistema socioeconômico vigente e ensinando que suas injustas estruturas são naturais e inevitáveis.
Assim posta nossa reflexão, as exigências escolares como a sensibilidade pelas letras, pela estética visual, musical, pelas interpretações da história, pelo vestuário, pelos gostos da moda em geral, privilégios de um restrito grupo social, tendem a intensificar as vantagens daqueles mais bem aquinhoados, material e culturalmente.
Por essas e por outras é que designamos a intensa e universal campanha sobre a prioridade absoluta e única da educação para colocar nosso país no Primeiro Mundo, como a técnica do quero-quero, que põe um ovo num sítio e canta noutro. Dissimula-se assim a necessidade de primeiramente se eliminar a fome e a miséria causadas por uma concentração criminosa da riqueza do país que embora tenha um PIB situado entre os seis maiores do planeta sofre de um IDH situado na 87ª posição.
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