Dizem que os pais são culpados por muitos dos nossos medos e manias. Na lista daquelas coisas das quais tenho vergonha de admitir, como o livro do Chico Buarque que não gostei, há um trauma que é totalmente culpa da minha mãe.
Amo minha mãe, mas tenho que admitir que, de vez em quando, ela é completamente ‘fora da casinha’. Tem ideias absurdas – uma de suas últimas foi me levar para assistir a um filme baseado num romance de Paulo Coelho.
Há anos atrás, especificamente quando eu tinha 10 anos, ela teve uma destas ideias de girino. Era um domingo ensolarado e quente e eis que dona Anabela convoca sua filha caçula e vítima de suas constantes indiadas (ATÉ HOJE) para ir ao cinema. Ok, até aí tudo bem. Afinal de contas, nada mais normal que uma mãe levar sua filhinha para assistir a um filme infantil.
Fui animada para o cinema. Era no antigo cinema Marrocos - quem mora em Porto Alegre deve se lembrar, quase na esquina da Avenida Getúlio Vargas com a José de Alencar. Lembro-me de entrar na Getúlio, de correr até aquele enorme casarão que abrigava três salas de exibição e da minha alegria ao escolher as guloseimas que levaria para mais uma sessão de diversão e fantasia.
Esta pobre blogueira que vos escreve mal sabia o que a esperava...
Começando que era um filme legendado. Imaginem uma criança de 10 anos assistindo a um filme legendado. E EM AMARELO. Não entendi muito bem o enredo, naquela idade nem devia saber o significado da palavra enredo. O fato é que eu só via um cara loiro, de olhos claros, cruzando o deserto milhares de vezes, com o vento batendo contra as suas vestes brancas. Lembro-me também de não ter visto nenhuma mulher no filme. Poxa, uma história de amor poderia, ao menos, amenizar o meu tédio naquele momento!
Foto: Divulgação
Como alegria de pobre dura pouco, vibrei muito quando as luzes se acenderam sem nem sequer imaginar que era apenas um intervalo de 15 minutos. Depois disso, mais deserto, mais batalhas sem fim, mais legendas em amarelo e eu perdida naquela imensidão de areias e guerras. Saí do cinema muda, sem entender absolutamente nada!
Minha mãe, completamente sem noção, também não imaginava que veria aquilo diante da tela. Obviamente, procurar sobre o filme no jornal nem havia passado pela sua cabecinha de vento. Eu precisei de um sorvete enorme da padaria da esquina para aliviar minha frustração e de alguns bons anos para entender aquele filme.
Já assisti a muitos filmes ruins, mas com certeza esta foi uma das piores sessões da minha vida. Vejam bem, escrevi SESSÃO, porque jamais teria coragem de achar Lawrence da Arábia um filme ruim.
Muitos anos depois, quando minha paixão por cinema começava a despertar, revi este clássico e a ficha caiu na hora. Ali na minha frente estavam Peter O'Toole, mais lindo do que nunca, Omar Sharif, que mais tarde voltaria a trabalhar com David Lean em Doutor Jivago (foi através de um post sobre este filme, dias atrás, que o Thiago comentou que preferia Lawrence da Arábia, dando origem ao post atual), além de Anthony Quinn e Claude Rains (o mesmo de Casablanca) em atuações magníficas. Só que trauma é trauma e por mais que eu reconheça a grandeza deste filme, Lawrence da Arábia sempre será aquele filme chato que minha mãe, num momento de alucinação, me levou para assistir quando tinha apenas 10 anos, numa tarde ensolarada de domingo.
Foto: Divulgação
PS: dedico este post a minha querida mamãe, responsável por me levar ao cinema para assistir ao meu primeiro clássico. Dizem que a primeira vez nem sempre é a melhor. Neste caso, eu concordo.
E também dedico ao Tiago, que também tem um blog, por me fazer reviver este episódio.
Holly Golightly: You know those days when you get the mean reds? Paul Varjak: The mean reds, you mean like the blues? Holly Golightly: No. The blues are because you're getting fat and maybe it's been raining too long, you're just sad that's all. The mean reds are horrible. Suddenly you're afraid and you don't know what you're afraid of. Do you ever get that feeling? Cinema, cinema, cinema!
Por Ju Lessa
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