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Na véspera do amistoso entre Brasil x Itália, gostaria de retomar uma discussão que tem mais de 26 anos, sobre a derrota da Seleção para a Azzurra na Copa da Espanha, em 1982. A análise de uma das equipes mais técnicas de todos os tempo é constantemente reduzida a um debate entre futebol-arte x futebol de resultado. Mesmo a avaliação de alguns dos integrantes do time comandado por Telê Santana se tornou um discurso pronto, repetido ao longo dos anos.
Em uma matéria especial produzida em 2007 pelo Esporte Espetacular, da Rede Globo, para lembrar os 25 anos daquela partida, o zagueiro Oscar afirmou de forma convicta que entrou em campo com excesso de confiança contra os italianos. Sócrates retrucou:
- Só se ele sentiu isso. Eu não. Pelo contrário. Apesar das dificuldades de jogar contra a Argentina, campeã do mundo da época, a Itália sempre foi mais complicada para se enfrentar.
Mas a polêmica começou bem mais cedo, com a saída de Paolo Isidoro da equipe principal para entrada de Falcão, que estava jogando na Europa e se juntou à Seleção pouco antes da Copa. Com a modificação, o Brasil ganhou qualidade no meio do campo, mas perdeu um jogada importante pela direita. Em crônicas publicadas no Jornal do Brasil durante o Mundial, e depois reunidas no livro O Trauma da Bola, o comentarista João Saldanha criticava o fato do Brasil ser um time capenga, que avançava quase sempre pela esquerda (não é sem razão que o personagem Zé da Galera, de Jô Soares, pedia desesperadamente um ponta):
- Inventaram uma tática no Brasil abandonando preciosos espaços de campo. Ora, somente um primarismo infantil e teimoso poderia pensar que os adversários não iriam aproveitar o erro clamoroso. (...) Leandro, sempre mal fisicamente, tentava suprir o extrema que não tínhamos. (..) E o Cabrini (lateral-esquerdo da Azzurra) folgava sempre? Era o jogador de desafogo do time italiano. Qualquer problema e bastava jogar a bola por ali – escreveu Saldanha a crônica O limite da estupidez, publicada no dia 6 de junho, um dia após a eliminação brasileira.
Mesmo Zico, no Esporte Espetacular, disse que a saída de Isidoro reduziu o poder de marcação pelo lado direito, local de onde saiu o cruzamento de Cabrini para o primeiro gol da Itália. Três dias antes, a Argentina já havia notado essa deficiência e jogou todo o primeiro tempo do jogo contra a Seleção Brasileira pelo esquerda de seu ataque, com Calderon, Ardiles, Maradona e Kempes.
Assistindo às partidas contra Escócia a Argentina, e alguns lances do jogo contra a Itália, nota-se claramente a inclinação do time pelo lado esquerdo. No primeiro tempo da partida contra os escoceses, Zico e Leandro pouco são acionados pela direita. A maior parte das jogadas ofensivas nasce das descidas Éder e do deslocamento de Júnior em diagonal, da ponta para a meia-esquerda, que encontram sempre Sócrates, Falcão ou Cerezzo pelo setor. Apenas na segunda etapa, com a constante flutuação e a troca de posições entre Sócrates e Zico pelos dois lados do campo, a Seleção cresce de produção e constrói a sua primeira goleada no Mundial.
Outro fator fundamental do time é o avanço dos dois volantes, Falcão e Cerezzo. Constantemente a dupla se encontra no campo ofensivo, com Sócrates recuando para auxiliar na marcação. O segundo gol do time contra a Itália ilustra bem a movimentação: Júnior avança da lateral para a meia-esquerda, e vira o jogo para Falcão, quase no bico direito da grande área. Cerezzo sai em disparada pela direita (nem Leandro e nem Zico fazem essa infiltração) e puxa marcação de três italianos. Falcão corta para o meio e, sem marcação devido ao avanço do ex-jogador do Atlético-MG, chuta para marcar um dos gols mais famosos da Seleção.
Mas nenhum time ou esquema de jogo é perfeito. Meu colega de blog Eduardo Cecconi provavelmente discordará da ideia de que a constante posse de bola e (sim, vou tocar o dedo na ferida!) a postura ofensiva do time de Telê Santana proporcionaram espaços defensivos importantes. O seguido avanço de Cerezzo e Falcão abria espaços pelo meio, que favoreciam a virada de jogo dos adversários. Os primeiros gols da Escócia e da Itália nasceram desta forma: inversão de jogadas da esquerda para a direita.
A saída de bola qualificada de volantes gera a segurança exagerada. Rafael Carioca, ex-Grêmio, causava apreensão na torcida tricolor ao tentar sempre sair com a pelota dominada no Brasileirão 2008, independente da situação. Sem querer comparar a qualidade técnica dos atletas, Toninho Cerezzo também assumia sempre essa iniciativa. Seus passes à frente da área já haviam assustado contra a Escócia, e foram fatais na partida diante da Itália.
Tal como o goleiro Barbosa em 1950, Cerezzo carregou por muito anos a cruz da eliminação em 1982. Peso que deveria ter sido divido com os três atletas que cercavam Paolo Rossi no lance, mas cuja indecisão permitiu a antecipação do atacante italiano e o segundo gol da Azzurra. Manter a bola significa fazer o jogo rodar e acuar o adversário, mas também trocar passes seguidamente. Ideal para equipes que apenas esperam um erro do adversário para desferir o golpe certeiro num contra-ataque rápido, como a escola italiana.
Os caminhos para bater o Brasil já estavam evidentes bem antes do jogo contra a Itália. A Argentina já havia percebido isso, mas sentiu a falta de um finalizador eficiente como Paolo Rossi – Kempes estava em péssima fase. E se o meio-campo era o grande trunfo do time de Telê Santana, também foi seu calcanhar de Aquiles. As trocas de posições entre Cerezzo, Falcão, Sócrates e Zico abriam espaços nas defesas adversárias, mas ironicamente deixavam buracos no sistema defensivo brasileiro incapazes de serem preenchidos pelos homens de trás.
O Brasil esperou e soube jogar contra o desespero argentino no primeiro jogo da segunda fase da Copa. Bastava repetir a tática contra a Itália. Não conseguiu.
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