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Em 9 de outubro de 1930 chegava a São Paulo o navio La Plata Maru (foto), após 50 dias no mar. Entre os 450 imigrantes japoneses a bordo, estava o jovem Toshio Mizoguchi, de apenas 18 anos.
Toshio desembarcou sozinho no Porto de Santos, com pouquíssima bagagem e nenhum ‘português’, mas não se intimidou. Deixou para trás a família, os amigos e a Terra Natal sem saber que não voltaria a reencontrá-los. “Queria que minha vida fosse diferente no Brasil, queria que fosse mais solta, vim em busca de liberdade”.
Do porto foi levado direto para a Fazenda Aliança 3, próxima da Estação Lussanvira, no noroeste de São Paulo.
“Como eu não tinha dinheiro para comprar minha terra, ajudava os outros. Lá na Fazenda Aliança eu era ajudante de agricultor. Meu trabalho era fazer força. Trabalhávamos com café”.
Toshio (E), com um pastor que veio no mesmo navio, em um momento de descontração pelas ruas de São Paulo
Embora tenha sido bem acolhido, Toshio não estava feliz com o seu trabalho na Fazenda Aliança. Como convivia somente com outros imigrantes japoneses, achava que não conseguiria se integrar à cultura do país.
“Eu queria conhecer o Brasil e para isso precisava saber falar português, mas onde eu trabalhava só falavam em japonês. Então, eu queria sair de lá”.
E a vontade de deixar o local aumentou ainda mais quando enfrentou uma alergia na pele causada pela terra.
Assim, um ano depois de sua chegada, surge a oportunidade de ir para o Rio Grande do Sul e o recém-chegado Toshio decide arriscar.
Com nenhum dinheiro e muita esperança, lá se foi o Toshio. Pegou um trem até Santos, depois um navio da Lloyd do Brasil até Porto Alegre. Da viagem que fez até a capital gaúcha, lembra da calmaria e da beleza da Lagoa dos Patos.
Chegou à Capital em 1931 e foi trabalhar no Colégio Cruzeiro do Sul
O primeiro trabalho, em troca de comida e de um teto para se abrigar, foi no Colégio Cruzeiro do Sul, no bairro Teresópolis, onde na época havia uma chácara. “Lembro que trabalhava com a enxada. Queria muito aprender o português, era bom porque eu ficava perto das pessoas”.
Não demorou e surgiu uma nova oportunidade, agora para trabalhar em Canela, na Serra Gaúcha. Sem muito o que o segurasse em Porto Alegre, não teve dúvida, foi de novo.
Em Canela, onde ficou por alguns anos, trabalhou como descarregador de toras de madeira. “Fiquei forte. Trabalhava duro, na chuva, no frio, em qualquer situação. Mas gostava de lá, fiquei mais tempo do que eu planejava”.
Conta que em Canela fez amigos pra vida toda, especialmente entre os imigrantes alemães. “Tinha um descendente de alemão que falava inglês e português. Todos os dias ele me ensinava um pouco. Eu trabalhava durante o dia e à noite ia pra casa dele aprender”.
Além do aprendizado do Português, Toshio se esforçava também para aprender Alemão. Sua mãe, Teru, lhe enviou do Japão livros para que aprendesse o idioma predominante na Canela dos anos 30. Mas, quanto mais Toshio estudava, menos aprendia. “Lá não falavam o Alemão. Falavam um dialeto. Demorou até que eu percebesse”.
Toshio, terceiro da esquerda para a direita, entre colegas de ginástica em Canela (déc. de 30)
Para enfrentar a saudade, “que era muita”, Toshio escrevia cartas, principalmente para sua mãe. Era correspondido, recebia notícias, cartões e livros. E foi assim durante uns 30 anos, enquanto sua mãe era viva.
Quanto à solidão, disse que era pior quando faltava o dinheiro, provavelmente porque se afastava também do contato social.
Quando pergunto se conseguiu ter a ‘vida mais solta’ tão sonhada, Toshio, com olhar distante, vacila. “A educação que recebi não deixava eu me soltar, eu podia, mas eu próprio me prendia”.
De bom mesmo, aproveitava os bailes. “Às vezes, no meio da noite, precisava apagar o lampião para repor o querosene, aí todos tinham que bater palmas para manter as mãos ocupadas”, contou achando graça.
Se por um lado era tímido e contido (especialmente com as mulheres), por outro era aventureiro como poucos. Para se ter uma idéia, nos anos que ficou em Canela, mergulhou no poço da Cascata do Caracol porque disseram que era impossível; foi a pé de Canela a Nova Petrópolis porque ouviu dizer que a vista era bonita; e cruzou a nado a área que hoje abriga a Barragem do Salto para fazer exercício.
Era a liberdade que sonhara, mas ainda faltava aguma coisa...
(Continua amanhã...)
As irmãs Suzuki, jornalistas e netas de japoneses, apresentam aqui o que há de mais bacana, inusitado e relevante na cultura japonesa. Com muita informação e interatividade, mostram como os costumes nipônicos vieram se entremeando aos brasileiros em cem anos de imigração.
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