Toshio-san e o filho Ives Mizoguchi, que escreveu para o Planeta JapãoFoto: Anik Suzuki |
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Toshio-san veio até mim por um simples comentário deixado por seu filho em um post deste blog. Trocamos alguns e-mails que culminaram em uma entrevista, realizada no último dia 13, à tarde, um domingo chuvoso em Porto Alegre.
Prestes a completar 96 anos, Toshio Mizoguchi é um homem gentil, lúcido, curioso e de hábitos saudáveis. Apesar da catarata, é ávido leitor de jornais, atividade que exerce com a ajuda de uma lupa. Desenha com a firmeza e a força que já não tem para outros afazeres. E a dificuldade de audição, ele dribla com jeitinho e com o amor e a paciência dos que o cercam.
Seu Toshio tornou-se mais do que uma entrevista de trabalho para mim. Fui atrás de uma história típica de imigração e encontrei um homem que venceu o medo e a solidão em busca não de dinheiro ou de sobrevivência, mas de liberdade.
O QUE O TROUXE ATÉ AQUI
Em 1910, o Japão invadiu a Coréia e lá estabeleceu a política Nai Sun II Chi, que transformava ambos os países em uma única nação, com um único idioma. A língua coreana foi proibida e o seu uso foi banido, assim como a prática de artes marciais coreanas.
O Pastor Danichi Mizoguchi e sua esposa Teru, pais de Toshio. Fotos: Arquivo Pessoal
Neste tempo, um pastor japonês da Igreja Luterana (foto acima) foi enviado com sua mulher para a cidade de Busan (uma das sedes dos Jogos da Copa do Mundo de 2002), na época território japonês, hoje pertencente à Coréia do Sul.
Lá, no dia 25 de junho de 1912, nasceu o primogênito entre sete irmãos, o menino Toshio Mizoguchi, que cerca de 20 anos mais tarde viria a ser um dos primeiros japoneses a pisar em terras gaúchas.
Toshio, de kimono de bolinhas, entre os pais e cinco dos seis irmãos em uma praça no Japão
Bisneto de samurai e filho de pastor cristão, Toshio e os irmãos tiveram uma educação rígida e uma rotina que ele próprio classifica como “muito dura”. A atividade do pai exigia mudanças freqüentes de cidade e impunha uma situação financeira bastante limitada.
Toshio, terceiro da direita para a esquerda na fileira do meio, entre familiares. A mãe Teru é a segunda da direta para a esquerda, sentada
Lembrar dos tempos de criança 90 anos depois já não é um exercício tão fácil para Toshio-san, mas alguns períodos de sua infância ficaram marcados para sempre.
A ida para a escola, em Hokkaido (ilha mais ao norte do Japão, onde há gelo no mar e vulcões ativos e onde a temperatura no inverno já atingiu até 41 graus abaixo de zero), era uma verdadeira prova de resistência. E essa Toshio não esquece:
“Tinha muita neve, na altura das casas, a prefeitura abria um caminho de manhã cedo, um caminho de um metro de largura no meio da neve, para que as pessoas pudessem andar e assim eu podia chegar à escola. Mas era muito escuro e a gente tinha que lembrar do caminho”.
Toshio, terceiro da esquerda para a direita, entre tios e primos paternos
Outra lembrança do Japão da década de 10 era o gosto pelo futebol: “Fui campeão de futebol da região onde eu morava. Eu ficava até mais tarde na escola treinando, acabava com os meus sapatos”.
A escola onde o adolescente Toshio estudava ficava próximo de Tóquio e tinha vinculação com escolas da Inglaterra, por influência do seu diretor. Na época, era considerada a melhor do Japão. “Tínhamos orgulho de estudar lá. Tivemos até uma professora inglesa”.
Quando completou 18 anos, Toshio prestou vestibular (nossa, isso já existia na época!) e não passou. “Éramos sete irmãos, eu não podia trancar o caminho dos outros, tinha que achar o meu rumo ligeiro”.
Toshio, de terno, entre os pais e os irmãos, na última foto que tirou junto com a família antes de viajar para o Brasil, no ano de 1930
Como sua família era cristã, logo os Mizoguchi pensaram que a América seria um bom lugar, especialmente o Brasil, que além de estar com o processo imigratório incentivado (custeado pelo governo) sempre foi o maior país cristão do mundo.
Eles lembraram que nos Estados Unidos os imigrantes estavam ganhando muito dinheiro e conseguiam voltar para o Japão em melhores condições. Como, na visão dos japoneses, os Estados Unidos eram perto do Brasil, imaginaram que a situação seria a mesma... Mas não foi.
(Continua amanhã...)
As irmãs Suzuki, jornalistas e netas de japoneses, apresentam aqui o que há de mais bacana, inusitado e relevante na cultura japonesa. Com muita informação e interatividade, mostram como os costumes nipônicos vieram se entremeando aos brasileiros em cem anos de imigração.
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