Foto: Walter Craveiro
Vitor Ramil quer ser lido. E está conseguindo. Além de participar de uma mesa de debates na Flip chamada justamente "A Estética do Frio", expressão tomada de empréstimo a ele próprio, Vitor autografou seu romance Satolep para uma fila
considerável e flanou os últimos quatro dias em Parati, curtindo a repercussão do trabalho e com a mente já na próxima obra.
– Quando lancei o Pequod, ou mesmo quando saiu em um livrinho o ensaio A estética do Frio eu fiz pouco alarde, comecei o Pequod despretensiosamente, o [Luís Augusto] Fischer que leu e me disse "tem que publicar". Desta vez não, pelo próprio amadurecimento do trabalho eu queria ser lido.
Ao dividir o palco da Flip com o argentino Martín Kohan e com o americano Nathan Englander, ambos autores de romances sobre o período da ditadura argentina, Vitor era o elemento mais inusitado da mesa, dado que seu livro não é sobre uma ditadura real, mas uma exploração psicológica de um homem em uma cidade do Sul do Brasil no início do século 20. Mas sua participação não soou deslocada porque a própria organização da mesa resolveu usar o mote "estética do frio" como central para a mesa.
Vitor apresentou o romance Satolep e comentou a carta de intenções já contida no título que inverte o nome da Pelotas natal do autor. Falou também da origem da intrincada construção formal do livro, que costura pequenas ficções feitas da observação de fotos antigas de Pelotas com uma trama sobre um fotógrafo que volta à cidade de Satolep, no extremo sul, depois de anos de um exílio auto-imposto, e passa a viver uma busca entre o sonho e a realidade quando decide apresentar-se aos seus conterrâneos com uma identidade diversa da sua.
– Isso é um pouco pra mim a literatura. A Marguerite Duras dizia que escrever era mergulhar numa floresta escura, eu também vejo assim.
Vitor, pessoalmente, é um sujeito tranqüilo, silencioso, muitas vezes olhando circunspecto para algum ponto, como que perdido em reflexões. Mas ele logo desfaz a impressão que alguém possa ter de que um homem com esse temperamento sinta-se deslocado no meio do formigueiro que se torna Parati durante a Flip.
- Cresci em família grande, sempre muita gente em casa, então eu gosto de ter multidão em volta. Não que eu vá ficar interagindo com todo mundo ou falando, mas eu gosto disso de ficar silencioso no tumulto, viajando na minha cabeça, gosto de caminhar no meio das pessoas, esta é uma cidade que te exige um ritmo mais lento. - diz, numa referência tanto à aglomeração de gente nas ruas da cidade fluminense quanto ao calçamento antigo e bastante irregular e que demanda passos cuidadosos.
Criador obcecado com a estrutura formal de sua prosa, Vítor demorou 10 anos para dar Satolep por pronto. Não sabe se vai demorar menos na próxima obra, mas já está produzindo, com base em uma idéia que já havia colocado em andamento e que havia deixado em suspenso. Deve sair também pela Cosac Naify. Sobre sua formulação da Estética do Frio, ele reconhece que o conceito já toma proporções
não imaginadas por ele próprio, mas dentro do espírito que o levou a criá-lo.
- Na época entenderam mal, diziam: "o cara é contra a alegria, contra o carnaval", e não era nada disso. Eu queria uma síntese capaz de dar uma idéia comum de nossa diferença como brasileiros, só. E acho que felizmente essa expressão é forte, ela criou essa síntese, o Jorge Drexler adaptou isso para a América do Sul, é uma idéia que já começa a se sustentar por si mesma, e era bem o que eu queria.