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Já se contaram tantas histórias sobre a II Guerra Mundial e sobre o Holocausto – e de tantos pontos de vista diferentes – que era mais ou menos inevitável que um livro desses viesse à tona em algum momento. Acaba de sair no Brasil pela Alfaguara o monumental As Benevolentes, de Jonathan Littell, uma ficção que apresenta os momentos mais brutais da II Guerra em território europeu: a saber: A luta na frente Russa e o extermínio do povo judeu, pelo ponto de vista de um oficial da SS (ou mais especificamente da SD, o serviço secreto da SS nazista).
Herr Max Aue é um homem culto, ilustrado, apreciador de música, de inteligência refinada, bissexual, mas também é o narrador que, em 900 páginas, esmiúça os horrores que praticou e viu serem praticados na frente de batalha. Mortes de judeus, os fornos crematórios, os cercos selvagens às resistentes cidades russas, os acertos de contas políticos entre os diferentes povos que marchavam na esteira do combate entre a União Soviética e a Alemanha: húngaros, ucranianos, armênios, poloneses, todos com motivos o bastante para odiarem uns aos outros e com possibilidade, no avanço nazista, de arrebanharem alguma força para isso. Ucranianos aproveitam o avanço até Kiev para massacrar russos. Húngaros investem contra poloneses e todos, sem exceção, se voltam contra os judeus. Nesse balé sangrento, Aue vai se acostumando cada vez mais a novas barbáries que recebe ordem de executar: primeiro a execução de judeus suspeitos de espionagem ou de ligações com os bolcheviques. Depois, de todos os judeus homens, depois de todos os judeus, mulheres, crianças, bebês, todos os que forem encontrados.
O livro ecoa uma tendência recente, a de rever a história da guerra tentando emprestar alguma complexidade ao lado sempre retratado como a encarnação da vilania: o dos nazistas. Não é por nada que um dos grandes filmes recentes foi justamente A Queda, com Bruno Ganz no papel de Hitler em seus últimos dias encerrado em seu bunker. E nos Estados Unidos foi publicado, mas sem data para lançamento no Brasil, que eu saiba, The Castle in the Forest, livro no qual Norman Mailer volta ao romance após 10 anos para retratar a vida do próprio Hitler desde a infância.
O título As Benevolentes faz referência a uma peça de Ésquilo – que por sua vez faz referência a uma tríade de personagens da mitologia grega, ΕΥΜΕΝΙΔΕΣ, as Eumênides. Elas são as antigas Erínias, também chamadas de Fúrias. As Fúrias eram entidades ancestrais que se dedicavam a atormentar os responsáveis pelos crimes contra seu próprio sangue. Convencidas por Atena a poupar Orestes, que havia assassinado sua mãe, Clitemnestra, para vingar o sangue do pai, o rei Agamemnon, elas assumem uma outra denominação. Esse ciclo foi retratado em quatro peças de Ésquilo, das quais só chegaram até nós três: Agamêmnon, Coéforas e Eumênides. O termo já foi traduzido de forma diversa por mais de um sujeito que se referiu a elas: Eram As Bondosas na série de quadrinhos Sandman, de Neil Gaiman, e o argentino Federico Andahazy usava a referência no título de seu romance traduzido aqui como As Piedosas.
E mais não digo porque teremos uma matéria sobre o livro no 2cad da semana que vem. Aguardem.
Bendito o que semeia livros. Quase não tínhamos livros em casa. Deus o livro, livrai-nos do mal. Neste espaço, o editor de livros de Zero Hora, Carlos André Moreira, partilha com os leitores informações, comentários, curiosidades, dicas, surpresas, decepções, perguntas, dúvidas, impressões, indiferenças e todas as outras tantas sensações proporcionadas pelos livros e pela leitura, esses prazeres tão secretos que merecem ser compartilhados.
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