Marilyn Monroe e seu marido, o astro do beisebol Joe DiMaggio / Foto de Alfred Eisenstaedt
DiMaggio é chifrado, e muito! Marilyn passa seu tempo ensaiando partituras com o simpático músico Hal Schaefer e conversando depois do sexo. Fala do medo terrível que tem de ser como a mãe, louca, e conta detalhes dos ciúmes de DiMaggio. Schaefer, que é bissexual, ouve. Estranha aventura, mas uma aventura calma, quase meiga. É um amante que sabe escutar. Com a sexualidade satisfeita, restam esses momentos de confidências, entre os lençóis amarrotados...
Depois o mundo volta a se apropriar de Marilyn. Durante os preparativos para O Pecado Mora ao Lado, o diretor, Billy Wilder, faz testes de figurino. Para uma cena íntima, Marilyn deve vestir um baby-doll transparente. Grande conhecedor da intimidade feminina — havia sido gigolô anteriormente —, Billy Wilder se aproxima da atriz e pede que tire o sutiã.
— Não se usa sutiã por baixo de um baby-doll — ele explica.
— Não estou usando — responde Marilyn.
Para verificar, Wilder encosta a mão. Fica impressionado:
— Seios miraculosos. Um desafio às leis da gravidade.
É bem verdade, um cirurgião havia dado retoques milimétricos no nariz, nos dentes, no queixo e nos seios. Um trabalho de ourives. Marilyn é perfeita. Tem o corpo mais cobiçado do mundo, é a mulher que desencadeia tumultos assim que se apresenta em público. É o sexo encarnado. Impossível vê-la sem pensar...naquilo. Destrói os pontos de reflexão na cabeça dos homens. Eles automaticamente passam a raciocinar pelo instrumental básico. É uma regressão instantânea ao cérebro reptiliano.
Quando se programa para a sedução, Marilyn é um sol. No privado, a luz se apaga. A sensualidade também. Sob os projetores, ela é a rainha do mundo. No claro-escuro, uma pobre coitada.
Os mais próximos, entre os quais Marlon Brando, notam que Marilyn aparece às vezes com algumas marcas roxas. DiMaggio tem a mão pesada. Quando ele se casou com Marlyn, um bookmaker organizou apostas: o casamento duraria mais do que um ano? No Toots Shor, o restaurante favorito de DiMaggio, apostou-se, sem nada se dizer ao principal interessado. E as noitadas continuaram como antes: discussões sobre esporte, conversas alcoolizadas, risos de homens quando se encontram entre amigos. Toots, o dono, xinga todo mundo, tem um humor sujo e sempre um caneco de cerveja na mão. Ele adora DiMaggio, se conheceram há anos e comem a mesma comida infecta que o cozinheiro inventa. Alguns clientes gostam do lugar, mas encomendam pizzas de fora, pois o menu é intragável. Quando Marilyn vem, o que é raro, as conversas param. Apenas um murmúrio de admiração paira no ar. Ela se senta, ouve e depois os rapazes voltam a conseguir articular frases.
Que tédio! Enquanto o marido fuma seus Camels, sem uma palavra, os outros enumeram aos berros estatísticas do beisebol. Às vezes Sinatra passa para beber. Dorothy Kilgallen também faz incursões, em busca de mexericos sociais. Foi ela quem fez a primeira grande entrevista com o Yankee Slugger, em 1944, e, por isso, DiMaggio gosta da jornalista, com seu nariz pontudo e seu queixo inexistente.
Em setembro de 1954, Marilyn chega a Nova York. O acontecimento é alardeado, anunciado, impresso. Em 15 de setembro, uma cena de O Pecado Mora ao Lado será filmada na esquina da 52th Street com a Lexington Avenue, em frente ao Trans-Lux Theatre. Os jornais martelam a notícia: Marilyn vai provocar o maior engarrafamento da cidade, apesar da hora tardia, meia-noite. Ela descansa, ensaia o texto com seu assistente e, no fim da tarde, passa no Toots Shor. Ao sair, em seguida, para jantar no El Morocco com DiMaggio, a multidão já está presente, impaciente, barulhenta. O jogador de beisebol é desconfiado. Gosta de manter distância. Marilyn, não. Ela distribui autógrafos, aperta mãos, sorri, balança os quadris, cheia de trejeitos. Ser um bibelô magnífico é o seu emprego.
DiMaggio volta para o Toots Shor, enquanto Marilyn se dirige à Lexington Avenue. O Journal American, devidamente informado pelos assessores de imprensa do filme, havia anunciado: "É um espetáculo gratuito. A filmagem na rua é aberta ao público, apesar de os trajes de Miss Monroe serem, segundo dizem, bem reveladores." À meia-noite, 1.500 espectadores estão na rua, excitadíssimos. A iluminação foi disposta em marquises de prédios. Projetores colossais banham a esquina. Curiosos sobem nos telhados. Fotógrafos espalham-se judiciosamente por todo lugar. Billy Wilder, com o chapéu de lado, o cigarro dependurado, dá instruções, com certa impaciência. Marilyn está atrasada. Wilder se queixa:
— Ela está tendo aulas no Actor's Studio, com Lee Strasberg? Não digo que não seja bom professor, mas, se é para ir à escola, por que não vai ter aulas na Patek Philippe, na Suíça, para ser pontual? Todo o sucesso de Marilyn vem de não saber representar. Se começar a se levar a sério, ela está acabada. Trabalhar com Marilyn é uma guerra de trincheiras: a gente espera, espera...
Wilder é enérgico, trepidante, às vezes brusco. Sabe exatamente o que quer.
E quer Marilyn, no set.
Imediatamente.
Walter Winchell, parecendo apressado, chega ao Toots Shor. Os frequentadores cumprimentam o jornalista. DiMaggio não se encontra.
— Onde ele está?
— No bar do hotel Saint Regis.
Winchell sente que a noite pode lhe proporcionar um bom artigo e corre para o Saint Regis. Localiza DiMaggio e chama:
— Vamos lá, Joe. Vamos assistir à filmagem.
O outro olha para o fundo do copo, observa as marcas úmidas no balcão e responde soturno:
— Não. Ela fica nervosa e eu fico nervoso também.
— Vamos lá, Joe. Você precisa aparecer. isso vai me render uma matéria.
Joe DiMaggio empurra o copo, se estica e segue Winchell.
***
JFK foi avisado: a operação é complicada. Precisa fazer um transplante ósseo e inserir uma placa metálica. Se uma infecção acontecer, a morte é quase certa. Ele dá entrada no New York hospital emagrecido, preocupado. Após alguns dias sob observação, duas equipes de médicos trabalham: são endocrinologistas e cirurgiões. A operação não chega a ser um sucesso. Mergulhado em um semicoma, JFK mal se dá conta de que o consideram perdido. Ocorreu a temida infecção. A família chama um padre, e o paciente recebe a extrema-unção. Arrasado, Joe Kennedy senta-se e começa a chorar.
Dissimula-se a doença de Addison e nada é dito à imprensa. Fala-se apenas de um ferimento de guerra, do heroísmo de Kennedy no PT 109 e fica-se à espera. Curiosamente, o doente não parece animado por nenhuma imensa vontade de viver. Está esgotado. Jackie vem vê-lo, traz de presente uma pistola de chumbinho para atirar nas bolas de encher que ela solta no quarto. As enfermeiras estão encantadas. Também se divertem com as outras visitantes, que passam rapidamente, sem que Jackie saiba. Uma das enfermeiras é particularmente bonita. JFK se interessa e inicia uma conversa. Jackie, em um canto, sorri. A enfermeira ergue sua touca e...é Grace Kelly! Ah, uma brincadeira e tanto!
O que Jackie não sabe é que Grace Kelly foi bastante cortejada por Joe Kennedy, nem tanto tempo atrás. Mas acabou preferindo Oleg Cassini, para tristeza do embaixador.
Dias se passam, com uma sucessão de médicos, e o paciente se interessa por uma única coisa: as últimas fofocas.
O prognóstico vital não é dos melhores. Para levantar o moral, Jack prega um cartaz de Marilyn de pé, vestindo shorts, com as pernas abertas.
Um detalhe: o cartaz está ao contrário.
***
Quando Winchel e DiMaggio chegam à Lexington Avenue, o caos é geral. Centenas de pessoas se empurram, policiais a cavalo tentam manter pelo menos uma aparência de ordem, flashes pipocam. Impossível continuar. DiMaggio já estava girando nos calcanhares, mas Winchell foi falar com um guarda. Ele dá uma olhada e reconhece o astro do beisebol, o herói de Nova York. Uma escolta inteira uniformizada abre caminho, isto é, uma verdadeira avenida, para o Yankee Slugger. Em volta, a multidão grita:
— Mais alto! Mais alto!
Enquanto os dois visitantes têm a impressão de que o Mar Vermelho se abre diante deles, a febre cresce, a tensão aumenta. Ao chegar à primeira fila, DiMaggio vê a cena.
A cena.
Aquela que vai ficar para sempre.
Aquela que está gravada em mármore.
Marilyn, com um vestido pregueado, está de pé sobre uma grade do metrô. De ombros nus, um sorriso magnífico nos lábios, a garganta exposta, olha para seu colega, Tom Ewell, que, com uma expressão de Droopy, do desenho animado, e as mãos nos bolsos, tenta manter um ar blasé. Mas a esquina inteira é pura eletricidade. Nova York está em sobrevoltagem. Ouve-se a voz de Billy Wilder:
— Ação!
Um metrô passa e, no barulho dos trilhos, três imensos ventiladores escondidos sob a grade se põem a funcionar. O vestido de Marilyn se infla, se ergue, sobe para as costas, ela gira a cabeça com um gesto divertido de falso pudor, com as pernas descobertas, as coxas à mostra, as mãos juntas, em tentativa desenvolta de manter um resto de pudor. É uma imagem mágica, um dos ícones do século XX.
Apenas DiMaggio não aprecia. Sua mulher quase nua, diante de milhares de espectadores? Ela está sem meias, usa apenas uma calcinha branca — na verdade duas, superpostas, para evitar a transparência. Mais excitante do que um verdadeiro striptease. Um sujeito, animado, grita:
— Mais, Marilyn, mais!
A cena é retomada uma, duas, dez vezes. Jornais do mundo inteiro haviam enviado fotógrafos
DiMaggio está desesperado. Vê a roupa de baixo de sua mulher, nota que a câmera parece focar a parte inferior da barriga, ouve um espectador comentar:
— Não disse que é uma loura "de verdade"?
DiMaggio está furioso. VIra-se e diz: "Basta." E vai embora.
A filmagem durou cinco horas.
A cereja do bolo é que Wilder não pôs filme nas câmeras. Trata-se de um espetáculo publicitário. A cena de verdade seria filmada no estúdio.
Voltando para o Toots Shor, o dono do lugar, vendo o ídolo com a expressão abalada, lhe diz:
— O que você pode esperar, Joe? É uma puta!
DiMaggio não poria mais os pés no restaurante do amigo.
Alguns dias depois, Marilyn anuncia o divórcio. O casamento durou 286 dias. Na saída do tribunal, alguém entrega um envelope a Marilyn. Lá dentro, uma só palavra. Marilyn desdobra o papel e lê: "Puta", escrito com cocô.
Mas o ciúme de DiMaggio e o sentimento de posse seriam eternos.
Assim que o divórcio é assinado, ele contrata um detetive para espionar Marilyn. Fred Otash, o dobermann dos detetives particulares, manteria o olho no buraco da fechadura até a morte de Marilyn.
Ela estaria sempre sob alta vigilância.
O trecho acima é de Marilyn e JFK (Objetiva, 216 páginas, R$ 33,90, tradução de Jorge Bastos), do jornalista e crítico de cinema francês François Forrestier. Em uma prosa direta, frase secas e diretas, Forrestier conta um dos casos de amor mais trepidantes do século 20 em ritmo ficcional, alternando, como vimos acima, capítulos que acompanham as vidas paralelas de Jonh Fitzgerald Kennedy, filho de família irlandesa endinheirada que viria a ser um dos presidentes míticos dos Estados Unidos, e Norma Jean Baker, que, com o nome de Marilyn Monroe, foi a mulher mais desejada de seu tempo e uma das musas do século 20 (e de qualquer época, a bem dizer). Vocês lerão um pouco mais sobre o livro em texto do Luiz Zini Pires no próximo Caderno Cultura.
Bendito o que semeia livros. Quase não tínhamos livros em casa. Deus o livro, livrai-nos do mal. Neste espaço, o editor de livros de Zero Hora, Carlos André Moreira, partilha com os leitores informações, comentários, curiosidades, dicas, surpresas, decepções, perguntas, dúvidas, impressões, indiferenças e todas as outras tantas sensações proporcionadas pelos livros e pela leitura, esses prazeres tão secretos que merecem ser compartilhados.
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