Sim, hoje deu uma atrasadinha, mas o trabalho meio que se acumulou na Zero Hora de papel e eu só tive tempo de pôr a lista no ar agora. O mais bizarro é que o leitor atento vai perceber que aqui tem livro repetido. Como eu tinha me programado para que esta dezena de livros reunisse só livros de não ficção, não me dei conta que, com isso, o fantástico livro de Vanessa Bárbara sobre o Terminal Rodoviário do Tietê estava, portanto, no lugar errado. Assim, ele vem para cá e outro livro de língua portuguesa o substitui ali na segunda parte (mais pro fim da noite vocês saberão qual. Tá lá, já, no número 14). Esta lista de hoje ainda contou com a colaboração do colega Luiz Zini Pires, que escreveu o texto sobre o livro de Fareed Zakaria. Boa Leitura
21 - O Santo Sujo: a vida de Jayme Ovalle, de Henrique Werneck (Cosac Naify)
Tomei conhecimento da existência de Jayme Ovalle lendo as crônicas de Fernando Sabino no livro A Cidade Vazia, já lá vão uns 15 anos. Ele era citado várias vezes: um temperamento artístico singular e tocava violão. Depois, lendo a Antologia Poética de Vinicius de Morais, encontrei um poema dedicado a ele pelo poetinha, mas eu não tinha a menor idéia de quem era o sujeito — nem por que ele era tão admirado por esses personagens. Este livro explica, e dá a dimensão de toda a antiepopeia vivida por Ovalle, poeta que escreveu pouco, músico que quase não compôs, sujeito de uma ingenuidade infantil e com um comportamento cheio de idiossincrasias estranhíssimas (usava monóculo e pintava o cabelo com graxa de sapato, por exemplo) mas que tinha em sua verve e em tiradas de espírito brilhantes seu verdadeiro talento — e que nunca conseguiu transformar isso numa obra.
22 - O Sequestro dos Uruguaios, de Luiz Cláudio Cunha (L&PM)
Em 1978, ou seja, em tese no período em que já começava a decantada "distensão" da ditadura militar brasileira, dois uruguaios residentes em Porto Alegre, Universindo Díaz e Lílian Celiberti, foram sequestrados em uma ação orquestrada entre as polícias uruguaia e brasileira — apenas três anos antes, as ditaduras do Cone Sul haviam firmado um acordo clandestino de colaboração que foi escancarado depois dessa malograda tentativa de sequestrar dissidentes uruguaios dentro de um país estrangeiro. Luiz Cláudio Cunha, na época repórter, participou dessa cobertura alertado por um telefonema anônimo e, em companhia do fotógrafo J.B. Scalco, flagrou dois policiais brasileiros guardando o apartamento em que os prisoneiros eram mantidos esperando o embarque para Montevidéu. É a história que ele recupera 30 anos depois neste livro.
23 - Como Falar dos Livros que não lemos?, de Pierre Bayard (Objetiva)
O título parece de um manual picareta de autoajuda para ludibriar os incautos e passar uma imagem de falsa cultura. Nope. Bayard é um intelectual francês respeitado, grande leitor de Proust e que faz neste livro uma análise acurada dos processos de leitura e mesmo do conceito de leitura que utlizamos. Um livro lido pela metade por alguém que lembra de todos os detalhes do que leu é terá sido menos lido que um livro que alguém terminou de ler mas de que não se recorda quase nada? O ensaio de Bayard não centra foco apenas no ato físico da leitura, mas lança amarras também na compreensão do que é lido, o que permanece da leitura, ou o que conhecemos do livro mesmo sem termos tido contato direto com ele. Mais sobre o livro aqui mesmo no blogue. Tradução de Rejane Janowitzer.
24 - O Livro Amarelo do Terminal, de Vanessa Bárbara (Cosac Naify)
Um livro de uma jovem jornalista e escritora brasileira que honra a tradição do jornalismo literário de texto excepcional e tratamento exaustivo do tema, até transformá-lo no recorte de uma determinada realidade. Vanessa Bárbara se embrenha no cotidiano do Terminal Rodoviário do Tietê, em São Paulo, a maior estação rodoviária da América do Sul, e apresenta esse microcosmo do Brasil, um lugar com 1.806 funcionários, 63 lojas, 11 quiosques, um lugar em que se consomem mensalmente 100 mil cafezinhos e 12 toneladas de pão de queijo, além de 1,4 milhão de créditos de orelhões. Ah, sim, e por onde transitam 60 mil passageiros por dia. Uma aventura ao mesmo tempo humana e antropológica com muito humor.
25 - O Mago, de Fernando Morais (Planeta)
Sim, todos sabemos que os livros de Paulo Coelho, por mais que ele tenha o mérito de insistir em formas novas e se desafie como escritor, mantêm as mesmas limitações de sua estreia, há duas décadas. Se elas são o segredo de seu sucesso de público, não são o bastante para garantir um lugar no cânone literário, pessoas, lamento. Mas Paulo Coelho, ao contrário do que muitos já defenderam, não pode ser descartado enquanto figura de nosso tempo. Ele é o autor brasileiro mais vendido no mundo e foi o primeiro a intuir o misticismo individualista que seria a tônica de nosso tempo. Foi também um nome de destaque nos primórdios do rock nacional ao lado de Raul Seixas. Logo, é um personagem de vida "sumamente interessante", como diria o Eça. E quando essa vida é narrada pela prosa de primeira ordem de Fernando Morais, um obsessivo pelo seu trabalho de apuração minuciosa, só pode render um livro fantástico. Uma entrevista com Fernando Morais sobre o livro foi publicada aqui.
26 - O Mundo Pós-Americano, de Fareed Zakaria (Companhia das Letras)
Este livro dá uma volta completa no planeta. Mostra um, anuncia outro. Não pense que o jornalista Fareed Zakaria, formado em Yale e Harvard, editor da revista Newsweek e colunista do The Washington Post, está exibindo o tombo do Império Americano. Não. Ele comenta a ascensão de alguns países, como China e Índia, que estão experimentando taxas de crescimento impensáveis até bem pouco tempo e assim mudando a sua relação com eles mesmos e com outros países com mais ou menos poder. O que Zakaria tenta explicar é o nascimento de um novo sistema internacional, menos dependente dos EUA, seja economicamente ou culturalmente, mas ainda não militarmente. O que ele anuncia é que o novo mundo não será anti-americano, mas pós-americano, como diz o título do seu livro, bestseller nos EUA e na Europa. Tradução de Pedro Maia.
27 - Vida e Obra de Machado de Assis, de R. de Magalhães Jr. (Record)
Este, a bem dizer, é um livro em quatro volumes, e não é exatamente um lançamento, mas um relançamento, mas acho que merece figurar aqui por se tratar da até hoje considerada maior biografia de Machado de Assis. Cada volume aborda uma fase da trajetória de Machado, de garoto pobre a funcionário público, de jovem talento promissor apadrinhado por José de Alencar a presidente da Academia Brasileira de Letras e decano consagrado do meio literário de seu tempo. Os volumes são: Aprendizado, Ascensão, Maturidade e Apogeu. O trabalho, que não era reeditado desde 1981 e estava esgotadaço, é tão fundamental para a compreensão de Machado de Assis que mesmo as biografias mais novas, como a de Daniel Piza, são-lhe claramente tributárias.
28 - O sol do Brasil, de Lília Moritz Schwarcz (Companhia das Letras)
Para quem não sabe ou lembra vagamente: durante o período em que Dom João VI reinou no Brasil, uma missão de artistas franceses encabeçados por Jean-Baptiste Debret chegou ao país em 1816 como parte de um plano "fundador e civilizador", fundou a primeira escola de pintura e belas artes no novo reino e deixou retratos e imagens fundamentais para a construção de uma iconografia do Brasil antigo. Este livro de Lília Moritz Schwarcz, também autora da biografia de Dom Pedro II As Barbas do Imperador, questiona esse versão ufanista espalhada pela historiografia posterior, preocupada em construir o mito do Brasil "inventado pela Família Real". Schwacz defende neste livro que a "missão" era na verdade um grupo de artistas desempregados que se tocou para o Brasil sem convite aproveitando o estabelecimento do novo reino na América para, quem sabe, catar uma boquinha. Brasil... país que não muda nunca.
29 - A Saga do Mentiroso, de Jeremy Campbell (Graphia)
Um livro que é ao mesmo tempo um apanhado histórico da falsidade na trajetória humana como uma bem fundamentada reflexão sobre o papel oscilante que a preocupação da busca pela verdade assumiu ao longo da História do Pensamento. O livro não discute apenas o papel da mentira em todas as instâncias da história humana com um texto saboroso, mas mostra como a verdade saiu da pauta das especulações filosóficas durante períodos pontuais da história _ principalmente neste nosso tempo chamado "pós-moderno" em que o relativismo e a noção da impossibilidade de se dizer algo novo transferiu o centro do pensamento do problema da "verdade" para o da "linguagem" ou o da "autoridade". História cultura de primeira, senhores. Tradução de Virgínia Marins Cortez.
30 - Do que é Feito o Pensamento, de Steven Pinker (Companhia das Letras)
Filólogo de formação, Nietszche usou ferramentas do estudo da etmologia e das pesquisas da linguagem para desenvolver os estágios iniciais de seu pensamento e analisar como as modificações semânticas que se processaram ao longo do tempo também refletiam alterações culturais e ideológicas das sociedades falantes de seu idioma. Freud examinava chistes e lapsos de linguagem para escavar deles o que de mais recôndito poderia haver na mente humana. Já o escritor e divulgador científico Steven Pinker cruza, neste livro, um pouco das duas abordagens e usa a linguagem como elemento de pesquisa e janela para um outro tipo de conhecimento. Analisando citações, frases de efeito e textos de nomes famosos, Pinker usa a linguagem como uma trilha para chegar à matéria de que são feitas as estruturas do pensamento humano. A construção de discursos em situações cotidianas pode ser, de acordo com a tese escrita em uma linguagem deveras atraente, revelador do tipo de pensamento que dá origem àquele discurso (e aqui voltamos ao velho tema de Foucault sobre o lugar da enunciação e a luta pela autoridade do discurso). Grande livro para os que curtem ciência sem precisar ser cientistas.
Amanhã: literatura de língua inglesa
Bendito o que semeia livros. Quase não tínhamos livros em casa. Deus o livro, livrai-nos do mal. Neste espaço, o editor de livros de Zero Hora, Carlos André Moreira, partilha com os leitores informações, comentários, curiosidades, dicas, surpresas, decepções, perguntas, dúvidas, impressões, indiferenças e todas as outras tantas sensações proporcionadas pelos livros e pela leitura, esses prazeres tão secretos que merecem ser compartilhados.
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