E não é que fazendo o balanço eu até que li bem mais livros legais do que pensava neste 2008? Pois depois de um que outro atraso, começo a publicação hoje da nossa série de retrospectiva os 50 livros de 2008, um levantamento mais amplo e abrangente do que a retrospectiva breve e mais focada no aspecto noticioso do ano. Vão abaixo os primeiros 10 livros que merecem figurar na nossa lista de 50 melhores livros do ano. Obviamente, o critério foi se tratar de um livro lançado aqui no Brasil em 2008, e não lá fora. E desta vez vou abrir espaço para algumas novas edições que constituem elas próprias um lançamento, mesmo que o livro não seja necessariamente novo, muito antes pelo contrário (não pensem que isso é picaretagem, é critério, puro e simples.
Como na lista do ano passado, os primeiros 10 são o meu top ten do ano, sem nenhum critério predefinido, e mesmo a numeração não representa mais do que uma forma de eu mesmo não me perder. Amanhã, passamos a listar 10 melhores em língua portuguesa, depois em literatura estrangeira, depois em ensaio, teoria e coisas assim e por último esses relançamentos. Senhores, com vocês a primeira leva de nossos 50 livros do ano.
1 - Fantasma sai de cena, de Philip Roth (Companhia das Letras)
Philip Roth se recusa a assumir o papel de guru, continuando a fazer uma literatura incômoda, com apenas uma que outra concessão a um lirismo que não cai no sentimental. Neste estudo sobre velhice e finitude, Roth se despede de seu personagem recorrente Nathan Zuckermann, que, ainda vivo mas enfrentando a decrepitude e a doença, se aferra à vida travando um último embate contra um jovem no qual enxerga a própria arrogância do passado e acalentando sonhos de sedução de uma bela jovem. Leia mais aqui, em post do blogue. Tradução de Paulo Henriques Britto.
2 – Kafka à beira-mar, de Haruki Murakami (Alfaguara)
Devido ao maior número de tradutores habilitados a verter obras diretamente do original, a ficção japonesa se fez presente com intensidade nas estantes brasileiras nos últimos anos. É assim tivemos acesso a obras de uma nova geração de autores para quem o romance, forma literária do Ocidente por excelência, é uma ferramenta artística poderosa. É nesse caso que se inclui Haruki Murakami, autor de Minha querida Sputnik e Norweggian Wood (vocês podem ver já nos títulos as claras referências à cultura de massa do ocidente). Neste livro, Murakami conta a história de um adolescente, o Kafka do título, que parte em busca da mãe e da irmã, que abandonaram o lar quando ele era criança. Uma jornada que cruza com a de um idoso com poderes sobrenaturais. Tradução de Leiko Gotoda.
3 – Diário de um Ano Ruim, de J.M. Coetzee (Companhia das Letras)
O novo livro do Nobel sul-africano na verdade são três. Coetzee sobrepõe em paralelo três linhas narrativas com sua elegância de sempre. A maior parte do livro é composta de ensaios fictícios de um escritor idoso e ranheta. Em notas de rodapé, vemos anotações desse professor e sua canhestra tentativa de seduzir uma jovem e atraente vizinha filipina a quem contrata para digitar os ensaios. Um pouco mais adiante, e um segundo bloco de notas de rodapé passa a nos dar o ponto de vista que a garota tem sobre sua ligação com o velho intelectual. Você pode ler mais aqui no blog mesmo. Tradução de José Rubens Siqueira.
4 – Satolep, de Vitor Ramil (Cosac Naify)
O músico e compositor Vitor Ramil não esconde de ninguém que Pelotas é sua obsessão particular enquanto artista, mas não a Pelotas física, aquela cidade no sul do Estado, e sim uma Pelotas irreal, mais sonhada do que presente, mais lembrada do que vivida. É essa a Pelotas que ele apresenta em Satolep, livro no qual um fotógrafo de nome indefinido volta para o frio Sul de onde partiu anos antes para um resgate de seu passado. Vai encontrando personagens reais da Pelotas do início do século 20 e mergulhando em uma densa e brumosa história que mistura o real e a loucura. Já escrevemos sobre o livro aqui mesmo no blogue.
5- A Viagem do Elefante, de José Saramago (Companhia das Letras)
Já fui muito fã da obra de Saramago, mas aos poucos sua invasiva tirania de autor discursivo entre o romance o ensaio, foram me enfarando. Tanto é assim que não guardei uma boa experiência da leitura de O Homem Duplicado ou Ensaio sobre a Lucidez. Com este A Viagem do Elefante, que narra em tom de fábula a jornada de um elefante e seu tratador, de Portugal a Viena, como presente do rei português a um primo, soberano da Áustria, Saramago, para fim, voltou à sua velha forma em uma tocante alegoria sobre a vida como uma luta diante de forças mais poderosas.
6 – Carta a D., de André Gorz (Cosac Naify)
Já escrevi sobre este livro aqui no blogue. Filósofo marxista importante por suas teorizações sobre o mundo do trabalho e, mais recentemente, a questão da ecologia, André Gorz escreveu este livro breve como uma afetuosa carta de amor a sua esposa, a inglesa Doreen Keir. Nestas pouco menos de em páginas, repassa o meio século de vida em comum, a importância de Doreen em sua vida e em seu trabalho e imagina o que seria um futuro sem ela (a esposa de Gorz já estava muito doente). Um ano depois da publicação do livro, best-seller na França, D. e Gorz decidiram encerrar juntos sua vida e cometeram suicídio. Um livro perturbador por essa circunstância e pelo sentimento que se manifesta o tempo todo domando a si próprio, para não descambar para a pieguice – e não descamba. Tradução de Celso Azzan Júnior.
7 – Dolce Agonia, de Nancy Huston (L&PM)
A mesma autora canadense que no ano passado havia apresentadoum dilacerante romance sobre a infância narrado de trás para frente agora se entrega a outro exercício formal interessante. Em literatura se chama aquele narrador que sabe até o que os personagens estão pensando e que antecipa elementos da narrativa de “onisciente”. Pois neste livro Huston dá voz ao narrador onisciente por excelência, o próprio Deus, que passa a evocar o jantar de um grupo de amigos como um de seus momentos preferidos definidores do potencial da espécie humana. Em um ritmo minucioso e solene, Huston esmiúça naquele microcosmo de relações as paixões e ansiedades humanas e, na voz do Deus que depois revela o destino dos personagens, a própria fragilidade dessas paixões. Tradução de Cássia Zanon.
8 – Pós-Guerra: um História da Europa desde 1945, de Tony Judt (Objetiva)
O jornalista britânico Tony Judt aborda por ângulos históricos, econômicos, políticos, sociológicos e culturais os sessenta anos que vão do fim da II Guerra até o colapso e a dilapidação do Império Soviético. Estão lá as lutas pela descolonização dos países ainda sob o jugo de potências européias como Inglaterra, França, Portugal. A evolução da luta entre os espectros ideológicos do comunismo praticado em países ditatoriais e do capitalismo que precisa de economias de mercado e do Estado democrático. Uma das melhores obras para entender este “breve século 20”, na expressão de outro grande historiador do período, Eric Hobsbawn. Tradução de José Roberto O’Shea.
9 – Aprender a Rezar na Era da Técnica, de Gonçalo M. Tavares (Companhia das Letras)
O português Gonçalo M. Tavares é mais do que um escritor original, é um verdadeiro “causo” literário. Inédito até o início dos anos 2000, de lá para cá já vieram a público três dezenas de livros que incluem romances, contos, poesias, tudo de uma qualidade desconcertante. Este volume em particular é o último de uma estranha tetralogia que inclui também Jerusalém, Um Homem: Klaus Klump, e A Máquina de Joseph Walzer, todos eles passados em um país indefinido, com a bruma os nomes característicos do leste europeu, e todos eles reflexões agudas e sombrias sobre loucura e posições de autoridade. Neste livro, conta-se a história de Lenz Buchmann, médico que resolve enveredar pela política.
10 – Galiléia, de Ronaldo Correia de Brito (Alfaguara)
Poucos gêneros tomaram um cacete maior nos últimos anos do que a ficção regionalista – e com toda razão. Perdido em suas fórmulas muito marcadas, o romance regionalista que tem como cenário o sertão esgotou-se de modo que parecia não haver possibilidade de se renovar ou se oxigenar. Ronaldo Correia de Brito prova que tal renovação é possível neste romance que mantém intacta a questão da húbris primitiva que sempre dominou os maiores romances regionalistas mas com elementos modernos e que falam à contemporaneidade. Espalhados pelo mundo, três primos criados no sertão tentam amoldar-se à civilização e esquecer as grotas de onde saíram, até que uma convocação de retorno à fazenda Galiléia do título, para assistir aos últimos momentos do avô, o patriarca de um clã envolvido em violência e sangue, os leva de volta para o seio do que procuraram se libertar.
Amanhã: a parte dois.
Bendito o que semeia livros. Quase não tínhamos livros em casa. Deus o livro, livrai-nos do mal. Neste espaço, o editor de livros de Zero Hora, Carlos André Moreira, partilha com os leitores informações, comentários, curiosidades, dicas, surpresas, decepções, perguntas, dúvidas, impressões, indiferenças e todas as outras tantas sensações proporcionadas pelos livros e pela leitura, esses prazeres tão secretos que merecem ser compartilhados.
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