Quando o rapper norte-americano 50 Cent surgiu, o fato de ter sobrevivido a 11 tiros e ainda possuir um dos projéteis alojado na boca rivalizava em atenção com sua música. Até porque sua música era irrelevante. O mesmo acontece com Os Homens que Não Amavam as Mulheres. Praticamente nenhuma reportagem ou resenha a respeito da trilogia do sueco Stieg Larsson vem desacompanhada de alguma citação sobre a estupenda vendagem da obra. Sua própria editora, inclusive, ressalta as cifras cobrindo parte da capa da brochura com uma fita onde lê-se o número de exemplares vendidos em todo mundo.
É o velho jogo psicológico do "se todo mundo leu, eu também tenho que ler". Ou a teoria de que "se vendeu tanto, só pode ser bom". Funcionou com O Código da Vinci e também com Harry Potter. E como ambos, Os Homens... vai virar filme.
Eu não contribuí para deixar o defunto mais rico — Larsson morreu antes de ver sua obra impressa, vítima de um ataque cardíaco fulminante em 2004. Peguei emprestado, li e, tal como um rap de 50 Cent, foi difícil chegar até o final. Mas consegui entender porque o livro vendeu tanto.
Os Homens que Não Amavam as Mulheres vendeu tanto da mesma forma que 50 Cent vende. Porque é raso. É frouxo. É óbvio, e não apresenta nenhum tipo de perigo. Sua batida, perdão, sua narrativa é fluida e ágil, e de fato prende a atenção. Mas isso justifica o oba oba todo feito sobre a obra? Qualé...
Trata-se de um romance policial dos mais anódinos, de fazer qualquer Sidney Sheldon parecer um gênio. Temos um crime. Uma investigação. Tramas paralelas que não deixam dúvidas quanto ao seu cruzamento em algum momento. Personagens, esteriotipados ao extremo, que têm suas histórias contadas em flashbacks. Capítulos inteiros de um tecnicismo totalmente desnecessário. E — a cereja do bolo — um final previsível e decepcionante.
Mas tem mais. Tem o instinto panfletário de Larsson. Além de jornalista político _ praticamente a mesma profissão do protagonista Mikael Blomkvist — o escritor era também ativista, com foco nos direitos humanos e na defesa de mulheres e crianças. Dois pontos centrais da trama de Os Homens..., o que o torna um mal-acabado manifesto denuncista. Tanto que o escritor faz questão de imprimir dados a respeito de violência sexual e doméstica sofrida por mulheres até na abertura dos capítulos. Sem contar na própria história, muitas vezes seguidas de frases de efeito.
Não, não acabou. Não obstante o tom panfletário, Larsson parece ter feito escola com algum novelista brasileiro. Certos enigmas se resolvem de maneira tão simplória ou absurda que dá a impressão que o escritor foi um grande fã de videogame que, nos momentos críticos dos jogos, recorria a códigos secretos para avançar. E ele faz o mesmo no livro, arranjando quase sempre uma solução fácil e rápida que leva o leitor adiante. Funciona aos 13 anos. Depois, qualé...
Ao final, tudo se explica de maneira tão.. tão... tão... argh, que dá vontade de bater na própria testa e pensar alto "ah, não, me engaram de novo". É, enganaram. Mas se serve de consolo, você não está sozinho. E tem mais dois volumes igualmente gordos chegando. É, o sueco planejou uma trilogia. Azar de quem acredita em números.
Sim, a capa da edição nacional não faz nenhum sentido. Ao que tudo indica, os gênios da Companhia das Letras se inspiraram na idéia da edição em língua inglesa, onde o livro é vendido como The Girl With the Dragon Tattoo — referência ao desenho que uma das personagens tem nas costas. Ah, bom.
Comentário do editor deste blog. É o único idioma até agora em que o título do primeiro dos livros originais perdeu "homens" para ganhar "girl". Será que as editoras inglesas acham que seus leitores porão sua masculinidade em risco se comprarem um livro com o título que o autor da obra escolheu para ela? (Carlos André)
Bendito o que semeia livros. Quase não tínhamos livros em casa. Deus o livro, livrai-nos do mal. Neste espaço, o editor de livros de Zero Hora, Carlos André Moreira, partilha com os leitores informações, comentários, curiosidades, dicas, surpresas, decepções, perguntas, dúvidas, impressões, indiferenças e todas as outras tantas sensações proporcionadas pelos livros e pela leitura, esses prazeres tão secretos que merecem ser compartilhados.
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