Foi um dia para não ser esquecido, compensando dois meses de esforços diários para trazer este grupo até a Jamaica e marcar aqui nossos 30 anos de peladas pelos campos catarinenses, brasileiros e internacionais. Obrigado meu Deus por tudo isso que vivemos, ontem, 6 de agosto, feriado da independência no país de Bob Marley, e que teve uma uma das principais atrações o jogo do Beijo, de Floripa, contra os Reggae Boyz, assistido por mais de 4 mil pessoas, em cima do muro, de árvores, de postes, carros em estado de êxtase. Gravamos as imagens para mostrá-las aí. Atacaram o nosso ônibus, me atacaram, tanto que tive que deixar, de presente, para jovens e crianças, a chuteira (Nike, do Ronaldinho Gaúcho), as meias, caneleira Adidas, calção e camiseta e se bobeasse, levariam até minha cueca. A cada jogada de efeito — e foram muitas — gritos, aplausos, deslumbramento. E os jamaicanos torceram mais pelo Beijo do que pelo time da casa. Sabem aquela ida da Seleção Brasileira ao Haiti, quando milhares de pessoas foram às ruas ver de perto nossos craques, sufocando-se entre carros e casas para dar pelo menos um toque nos nossos supercraques que desfilavam em carro aberto e que rendeu um filme de Walter Salles Jr? Foi mais ou menos o que aconteceu, ontem, numa periferia de Ocho Rios, a praia dos transatlânticos e dos turistas endinheirados com o nosso Beijo. Cena típica dos bons tempos da Beatlamenia. Não entendi nada. Por que isso se não nos conheciam? Porque aplaudiram tanto minhas jogadas, se no Brasil ninguém as comenta, nem entre nós, do mesmo time? A hora que toquei uma bola por baixo das pernas de um deles (e essa é a minha jogada favorita, repetida a cada jogo) explodiam em risos e aplausos. Só faltaram entrar em campo para me carregarem. E o gol do Vampeta? Delírio coletivo. Será que foi São Judas Tadeu que "armou" aquilo tudo? Será que estou morrendo e esse foi meu último presente? Dúvidas, dúvidas, dúvidas sobre tudo.
No lugar certo
O treinador Renê Simões, que é uma celebridade nesse país que ainda ama o ser humano como um parente muito querido e que jogou o primeiro tempo pelo Beijo, na lateral esquerda, dando também uma belíssima demonstração tática e técnica, apesar da idade, arrancando seguidos aplausos, fez questão que o jogo fosse numa comunidade extremamente carente, privada de grandes divertimentos, uma espécie do nosso Abrigo de Menores aí da Agronônima. E, como era feriado, foi um dia todo de festa, muitos jogos, torneios, comilança, música e que terminou com o nosso jogo. Quem morava por perto, de todas as idades e sexos, estava lá. Nos vendo, fumando o seu e aplaudindo. Serginho Chulapa, Vampeta e Jairzinho acharam o máximo, porque também vieram dessas comunidades carentes, da periferia. O jogo até poderia ser num estádio, num grande gramado, mas não teria ninguém para vê-lo. Com aquele calor e feriado, quem é que vai para um estádio, com tanta gente e tanta festa nas praias? Só os jogadore e os árbitros, provavelmente. Renê Simões faturou mais uma.
Torcida Bomba
Um detalhe que chamou bastante a nossa atenção: a cultura dessa localidade. Foram 4 mil pessoas fumando enormes cigarros de maconha o jogo todo. Skunk. Quase tivemos que jogar com máscaras. Era a verdadeira torcida bomba. Fotografamos e filmamos senhores rastafaris com mais de 60 anos, barbas brancas, gorros coloridos prendendo os dreads, óculos pretos vendendo maconha em saquinhos plásticos para o público como se fosse baleiro. Os saquinhos espetados num tipo de mamão. Walter Cruz, empresário que divide seu tempo entre várias empresas e o Guarani de Palhoça, impressionado com o consumo livre de cannabis entre os jamaicanos, até brincou com a ficha técnica do jogo:
Placar: Beijo 3x1 Reggae Boyz;
Temperatura: 35 graus;
Gols: Serginho Chulapa, Adilson Heleno e Vampeta;
Público: 4 mil pessoas e 12 quilos de maconha. Por baixo. Chapadérrimos, só queriam rir e aplaudir o tempo todo. Não falavam, não xingavam, não brigavam, não gritavam, quase nem se mexiam. Só riam e aplaudiam. Se é assim...
Bate-bola
— Cláudio Sabonete era ontem um homem feliz: jogou na Jamaica com seus dois filhos adolescentes, Caio e Claudinho, que são uns amores. Educados, jogam bem, são bonitos e ainda falam inglês corretamente. Já moraram nos Estados Unidos. Entraram no segundo tempo nos lugares de Chulapa e do próprio pai.
— O Beijo teve uma grande atuação. Fez 3x1 com naturalidade, mas perdeu inúmeras chances de gol. O goleiro que defendeu os Reggae Boyz é o reserva da seleção principal da Jamaica. Pegou tudo. Ou melhor, quase tudo. Nosso goleiro Chico não teve culpa no gol deles e tamém foi muito abraçado. Quem fez o gol deles foi aquele mesmo da Copa de 1998 que fez os dois gols contra o Japão. Como é mesmo o seu nome?
— Quando começamos a mandar no jogo, do adversário não se entendia mais nada: começaram a se comunicar no idioma dos aruaques, que significa "terra da madeira e da água". Acho que era palavrão.
— Vampeta e Juninho fizeram um partidaço, e se é pra ser sincero, não posso esquecer de mim, que várias vezes levantei a torcida, além de ter participado diretamente de dois gols.
— Quando estávamos saindo do hotel para o jogo, entraram no nosso ônibus dois suecos, um gordo, cheio de tatuagens e piercings pelo nariz, e um loirinho. Já descobrimos que tratava-se de um casal. O gordo toma cerveja num gole só. E não nos largaram mais. Estavam até no jantar de confraternização no cassino, onde também apareceram duas moças e dois amigos brasileiros, que estavam no jogo. Um garçom do nosso hotel também nos acompanhou. Pediu folga e apareceu no ônibus. Muito querido, está deslumbrado com nossa presença no seu local de trabalho. E até levou a sua chuteirinha na esperança de jogar, o que não foi possível.
— Cena inusitada: o treinador Bibi, na sua palestra, dizendo como tínhamos que jogar. Renê Simões, treinador de Copa do Mundo, só observando.
— Serginho Chulapa saiu para caminhar e ainda nem sabe que a imprensa paulista está dando como certa sua ida para o Santos, que ontem perdeu em casa e demitiu o Cuca. Chulapa desconfiava já ontem à noite que poderia ser chamado para o lugar de Cuca e já foi dormir nervoso. Deve viajar a qualquer momento, se conseguir passagem, o que não é muito fácil. Diz que tira o Santos dessa situação, porque conhece os jogadores.
A irreverência de Cacau Menezes agora está também em blog.
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