Sete rodadas antes do final do Brasileirão, 21 pontos ainda pendentes, mostra o irregular e desconfiado Grêmio numa desconfortável liderança. É um posto ameaçado e disputado a cada rodada, gol a gol, segundo por segundo. É uma posição invejada pelos outros 19 clubes da competição, por outras dezenas de torcidas.
Muitas vozes de fora (e de dentro) do Estado passaram os últimos seis meses dizendo que o Grêmio não tinha fôlego, futebol, estofo de líder. A seqüência de jogos disse o contrário.
O que acontece é que o futebol gremista não brilha, não se ele sobre os demais. O que rola é o clássico futebol de resultados. O que fica é uma liderança justa, embora quem vê o time, especialmente nos últimos jogos, mais fora do que no sagrado Olímpico, não acredita em liderança. Precisa abrir os olhos duas vezes e examinar a tabela três.
O Brasil desta quarta-feira joga contra o Grêmio. O país é o Cruzeiro do largo Mineirão de grama fofa. Seus 11 jogadores são as chuteiras da pátria. O inimigo nasceu no Sul, veste um azul mais escuro, menos celeste.
Olhando de longe, do nosso extremo, o pensamento geral é assim, somando o desejo de cariocas, paulistas e mineiros. Observando de perto, nem tanto.
Os cariocas, em sua maioria, quer o Flamengo na ponta, deseja absurdamente o ex-jogador Ronaldo no comando do ataque na Libertadores 2009. A minoria saudável e barulhenta de outras torcidas, Vasco, Flu e Botafogo, está ao lado do Tricolor. Tudo que fere o Mengão é mel no paladar dos fãs das outras equipes locais.
Os paulistas, que não gostam do São Paulo e perderam a fé no Palmeiras, preferem o Grêmio ao Flamengo, afinal o Mengão é do Rio de Janeiro e o paulista chama o Rio de "O Balenário" e a rivalidade no futebol é gigantesca. O renascido corintiano seca dia (e noite também) São Paulo e Palmeiras e ainda ri das agruras do Santos que, por sua vez, detestaria ouvir a explosão dos malditos foguetes em nome de Rogério Ceni ou de Diego Souza.
Nem Minas Gerais é totalmente anti-Grêmio, embora a fronteira com o Rio e São Paulo seja minadas de flamenguistas e são-paulinos, entre outras cores menos berrantes. O Galo, se pudesse, pintava a sua vistosa crista de azul, preto e branco. Pelo menos nesta decisão, o Atlético MG é bem mais gaúcho que mineiro quando a bola começar a rolar na sua capital.
No Brasil de hoje onde não existe mais esquerda nem direita, onde o católico troca de religião, o homem casa três vezes e as pessoas trocam de sexo, nunca vi um ex-gremista, ex-colorado, ex-flamenguista, ex-corintiano. Você conhece?
Muda a roupa, o cabelo, o peso, a dieta, o médico, o dentista, o emprego, o amigo, o banco, o carro, a casa e a sogra. Ninguém troca a cor do seu clube do coração, salvo numa fração de segundos de uma vida que é o tempo justo de uma partida de futebol.
A quarta-feira, 29 de outubro de 2008, é um destes raros momentos de uma existência. Cruzeiro e Grêmio ganharão milhões de novos torcedores temporários de diversas cores, um número muito superior ao seus fãs reais e jurados. Não pela paixão de verdadeiro torcedor, mas por interesse momentâneo, passageiro, que pode sumir rapidamente e sem deixar marcas depois de 90 minutos e alguns descontos ou, quem sabe, retornar domingo na próxima rodada.
Um interminável Brasil seca os dois, outro, dividido, aplaude um de cada vez. Cruzeiro e Grêmio jogam uma das mais importantes partidas da sua história recente e o país inteiro está de olho, menos pelo futebol, mais pela vontade de ferrar seu adversário mais próximo com as chuteiras de grife de mineiros e gaúchos.
No futebol, só nele, é permitido emprestar os sentimentos por 5.400 segundos, nunca por muito mais. O sentimento passageiro não carrega o coração nas suas aventuras clubísticas.
Bola Dividida é a coluna dos repórteres da editoria de Esportes de Zero Hora, editada por Luiz Zini Pires. Informações, comentários e análises sobre o futebol e outros esportes.
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