Foto: Ricardo Duarte |
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Ao humilhar o Juventude com uma goleada por 8 a 1, ontem à tarde, no Beira-Rio, o Inter fez mais do que conquistar o Campeonato Gaúcho de 2008. O Inter acabou com um trauma, livrou-se de um recalque, deu um grito de alívio. E era isso mesmo que o Inter queria, mais talvez do que a sua 38ª taça de campeão estadual: o Inter queria amassar o Juventude em definitivo, inapelavelmente.
Eternamente.
O Inter não queria bater o Juventude; queria destruí-lo. E o fez, botando abaixo tudo o que o adversário havia erguido até então na história do confronto entre os dois clubes e salgando o terreno para que nele nada mais cresça.
Claro que tamanho massacre não se dá tão-somente graças à vontade de um único lado. O Juventude contribuiu para sua própria desgraça. A começar pelo vestiário. O técnico Zetti preparou uma surpresa na escalação, colocando o lateral Helder no meio-campo, retirando Leandro Cruz do time e passando Márcio Goiano para a lateral-esquerda. Para que o Inter não se desse conta da mudança, o Juventude chegou ao cúmulo de manter-se no vestiário além do necessário, quebrando o protocolo e não comparecendo para a execução do Hino Nacional.
No começo, a impressão era de que a estratégia funcionaria. O lateral Élvis conseguia algumas infiltrações perigosas pela direita, e o jogo estava igual. Até o meio do primeiro tempo, nenhuma equipe havia construído lance do gol. Mas aos 18 minutos aconteceu uma jogada emblemática: o Juventude tinha a bola na intermediária de ataque pelo lado esquerdo e, em vez de tentar o ingresso na área inimiga, parou, rodou, recuou. Faltavam mais de 70 minutos para a partida se encerrar, e o Juventude fazia cera.
O Inter, não. O Inter desejava o gol, embora ainda não soubesse como conquistá-lo. Descobriu aos 25 minutos: Alex cobrou falta da esquerda, Danny Morais subiu, torneou de cabeça e testou a bola como se fosse o velho Escurinho: 1 a 0. Era isso! O caminho do gol era pelo alto. Descoberta a fórmula, os jogadores do Inter passaram a levantar a bola da intermediária, sem se preocupar em ir à linha de fundo. Chegando à linha de fundo, melhor ainda. Como aos 29, quando Nilmar cruzou e Fernandão, de cabeça, fez 2 a 0.
A essa altura, o Juventude havia se transformado em uma geléia emocional. O lateral-direito Élvis, um dos melhores jogadores do time, discutia com amigos e inimigos, colegas e adversários; os zagueiros Nunes e Laerte chegavam a se pechar dentro da área; Márcio Goiano rodava na lateral-esquerda, tonto, sem nem ver quem passava por ele rumo à área de Michel Alves, e todo mundo passava por ele, rumo à área de Michel Alves.
Ao Inter pouco importava toda essa perturbação. A ânsia do Inter era fazer gols. E os fez. Aos 31, novamente Fernandão. Aos 37, Alex, numa falta estilo Zico, batida de chapa, colocada, fora do alcance do goleiro.
Quatro a zero.
Em geral, quando um time alcança tal vantagem, passa a deixar o tempo correr, a tocar a bola, a fazer a chamada "administração do jogo". Mas o Inter não tinha a intenção de administrar coisa alguma. A idéia era outra. Era fazer com que o Juventude se arrependesse de um dia ter pisado na grama verde do Beira-Rio. Foi um prevalecimento. Um abuso. Aos quatro minutos do segundo tempo, Bustos cobrou falta da direita e Fernandão fez 5 a 0. Três minutos depois, Bustos cruzou da direita, e Nilmar desencantou: 6 a 0. Até o gol do Juventude quem marcou foi um jogador do Inter: Índio, contra, aos 11. Mas aos 32 o próprio Índio se redimiu e fez o sétimo.
Faltando pouco mais de 15 minutos para o fim do jogo e do campeonato de 2008, a torcida do Juventude já tinha abandonado o Beira-Rio, os jogadores do Inter dançavam na pista atlética e a torcida cantava o título nas arquibancadas.
Tudo parecia consumado. Não estava. Faltava um golpe. O último e mais cruel. O derradeiro ultraje. Aos 44 minutos, Leandro Cruz cometeu um pênalti grotesco em Andrezinho: à passagem do jogador do Inter, simplesmente ergueu a perna e acertou-lhe um pontapé no estômago. De imediato, a torcida começou a gritar o nome de Clemer. Pediam, os torcedores, que o goleiro fizesse a cobrança.
Hoje em dia é comum goleiros cobrando faltas e pênaltis. Mas Clemer, não. Clemer não é um goleiro com veleidades de artilheiro. Marcou um gol quando jogava na Portuguesa, algo bissexto e eventual. E era justamente por isso que a torcida gritava por ele. Para provar que qualquer um faria gol no Juventude naquela tarde fria, cinzenta e chuvosa no Beira-Rio. Assim, Clemer saiu da sua área, atravessou o campo sorrindo e bateu o pênalti. Mas, é claro, não bateu com força, como seria de se esperar de alguém preocupado em marcar o gol. Não: foi um pênalti macio, alto, no meio da rede, enquanto Michel Alves caía desolado para o canto. Um pênalti cobrado como se fosse um tapa na cara. Um pênalti debochado.
O Inter terminou o Gauchão tendo nas mãos, acima da cabeça, a taça de campeão, e nos pés, abaixo das travas da chuteira, o pescoço do Juventude.
*Texto publicado hoje no Caderno de Esportes de Zero Hora
David Coimbra nasceu em Porto Alegre há 46 anos. Depois de trabalhar em mais de 10 redações do sul do Brasil, hoje é editor executivo de Esportes e colunista de Zero Hora, além de comentarista da TVCOM.
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