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Lá por 1988, talvez 87, Lula visitou Criciúma. Não lembro se já como candidato a presidente da República, provavelmente pré-candidato. Personagem importante, de qualquer forma. Ainda assim, fomos poucos a entrevistá-lo. Uns três ou quatro jornalistas reunidos nos fundos da igreja matriz, eu representando o Diário Catarinense. O salão paroquial vazio, nós sobre o palco de madeira, ouvindo o eco de nossas vozes, sentados em volta do Lula, ele com sua barba negra e seus olhos muito vivos, muito atilados, algo maliciosos. Não vejo mais aquela luz de malícia a dançar nos olhos de Lula. Deve ser fruto da experiência — decerto aprendeu que a ironia pode ser inteligente, mas de raro é simpática.
Participei de outras entrevistas com Lula de lá para cá. Mas nunca perguntei algo que desde os anos 80 me intriga: será que hoje, em retrospectiva, ele acha que seria um bom presidente, se fosse eleito em 1989? Suponho que não. Suponho que até o próprio Lula pensa, hoje, que em 1989 ele sofreria com a inexperiência.
Por que, então, Lula chegou ao segundo turno e por pouco não se elegeu? Entre diversos méritos de sua campanha, há um que ressalto mais do que todos: Lula feriu um ponto nevrálgico do subconsciente coletivo com um slogan de gênio:
“Sem medo de ser feliz”.
A princípio, parece uma tolice. Quem teria medo de que lhe ocorresse uma coisa boa? Aí está: todo mundo. A morena está olhando para você e você não vai lá. Quer ir, mas não vai. Por que não? O que você tem a perder? Nada. Mas você sente medo. Medo de ser rejeitado? Não! Medo de que ela aceite o assédio. De tudo o que representa a aceitação dela. Da mudança.
É por isso que, às vezes, você não vai àquela festa, não faz aquela viagem, não troca de emprego, continua casado. Você tem medo de ser feliz.
A campanha de Lula repetia esse sábio conselho ao eleitor: não tenha medo de ser feliz, aposte num trabalhador como presidente. Tocou direto numa corda sensível da alma do brasileiro.
Celso Roth padece desse mal. É bom técnico, mas tem medo de ser feliz. A escalação nitidamente covarde do Gre-Nal bastaria como prova, mas, durante o jogo, Roth deu uma mostra ainda mais cabal de que seu medo chega a ser doentio. Foi quando o Grêmio marcou o gol. Aquele momento é um diamante raro para quem tem apreço pela análise psicológica. É um momento precioso e irrepetível que bem merecia estudos do pessoal da Sociedade Psicanalítica.
O momento do gol. Era como o morena olhando para você, era o convite para a festa, a proposta de emprego novo. A felicidade logo ali. Roth entrou em pânico. Era demais para um homem como ele: ele havia mudado o time de forma surpreendentemente corajosa, o Grêmio passara a dominar a partida e, em poucos minutos, havia marcado o gol.
Roth ficou tão horrizado ante a possibilidade de vencer a partida e se consagrar que promoveu uma alteração de velocidade incomum a qualquer treinador, em qualquer parte do mundo: em menos de três minutos, havia um novo zagueiro em campo. Assim, o Grêmio entregou o domínio do jogo e perdeu o clássico e tudo ficou como sempre na vida de Roth. Como ele, no mais profundo da sua alma torturada, queria.
* Texto publicado hoje na página 43 de Zero Hora.
David Coimbra nasceu em Porto Alegre há 46 anos. Depois de trabalhar em mais de 10 redações do sul do Brasil, hoje é editor executivo de Esportes e colunista de Zero Hora, além de comentarista da TVCOM.
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