Com tanta gente recitando "negro é lindo" por aí, não dá mesmo pra entender por que há tão poucos modelos negros de sucesso no Brasil. Claro que eu já havia pensado sobre isso, mas fazendo a matéria de capa do Segundo Caderno de amanhã (leiam!) alguns entrevistados me jogaram verdades para as quais talvez eu não estivesse pronta para ouvir. Pois bem, a reportagem trata da inciativa de uma promotora em estabelecer cotas para modelos negros nas passarelas. Mais especificamente, nas passarelas do São Paulo Fashion Week. A palavra "cotas" já me dá um frio na espinha. Minha irmã caçula foi vestibulanda (agora ela já é universitária) de Medicina e este tema circulou bastante nos almoços lá de casa. Em 2001 eu estive na África do Sul e a questão das ações afirmativas (em benefício dos negros) me interessaram bastante. Achei tudo válido e percebi que, com o tempo, a sociedade começou a olhar o fato mais de um jeito positivo e esperançoso do que torcendo o nariz. Mas a pulga continuava atrás da minha orelha. Agora, chegando especificamente na minha área de trabalho, o tema me estimula demais o questionamento. O impulso das ações foi a edição de janeiro de 2008 da SPFW, onde, dos 344 modelos, oito eram negros (pouco mais de 2%). Assustador. Aqui, no Donna Fashion Iguatemi, foram oito em um casting de 40 (20% - 10x mais que em São Paulo) na edição agora de abril. Sinal de que a possibilidade existe. Mas o que mais mexeu comigo foi saber que os estilistas simplesmente não chamam modelos negros porque não gostam. Questão total de gosto pessoal (glup...). Calma. Pode piorar. As justificativas são torturantes: "O tom de pele não combina com a cartela de cores da coleção" ou "A silhueta é muito diferente" são frases que o dono de uma agência especializada em modelos negros ouve diariamente. Outra recorrente é "o consumidor não se sente representado por um negro na passarela". Ish, turma. O tempo já passou e este "consumidor" evoluiu junto. Acredite. Odeio desmerecer questões brasileiras. Mais ainda louvar iniciativas gringas. Mas dá licença, vou ter que falar aqui: no início do ano passado eu li que a edição italiana da Vogue estava preparando uma "black issue" - edição totalmente dedicada a modelos e celebridades negras. Como eu sou a favor dos movimentos naturais, sem forçar barras, achei meio demais, com um tanto de exagero. Só que quando vi as capas (foram quatro: uma com a Naomi Campbell, uma com a Sessile Lopez, uma com a Jorden Dunn e outra com a Liya Kebede) publicadas em julho de 2008, fiquei doida. As fotos (by Steven Meisel) são inacreditáveis. Uma mais incrível do que a outra. Tanto foi que virou edição histórica, número de colecionador. A edição esgotou rapidinho e obrigou a Condé Nast a reimprimir mais 40 mil exemplares. No Ebay custavam 60 dólares, mais taxas. Tudo bem, mas parou por aí? Quatro modelos de bolsos cheios e uma editora, Franca Sozzani, satisfeita com o resultado? Nada. Na temporada seguinte, o número de modelos negras nas passarelas e campanhas aumentou. Mais: o perfil das "garotas da hora" mudou também. Há um certo tempo a indústria vinha repetindo a fórmula de meninas copiadas em série, com beleza estática e pouca personalidade. Essa chacoalhada não refletiu apenas na carreira das modelos negras. As de nariz adunco, as de queixo proeminente, as de cabelo curto, as orientais, (...) começaram a ser vistas novamente. Movimento importantíssimo para um nicho que conta com a diversidade para funcionar. Ainda mais para quem quer ser moderno. Pena que esse recado não ecoou por aqui. Pena que estamos prestes a ser submetidos a uma norma bem pouco democrática. Tudo se resolveria com um pouquinho mais de bom gosto.
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